Flavio Saliba

Sociólogo e professor da UFMG, Flávio Saliba escreve quinzenalmente nas sextas-feiras em O TEMPO

A globalização, o avanço da direita e a crise brasileira

Publicado em: Sex, 25/11/16 - 02h00

A ascensão da extrema direita nos Estados Unidos é um alerta para o risco que correm as democracias ocidentais. O governo Trump não servirá a nós, nem aos norte-americanos que, em meio a incertezas, vão esperar sentados pelos empregos que ele prometeu e que nunca serão criados. A literatura sobre o tema é unânime em admitir que a globalização, apesar de ter favorecido o crescimento de várias economias ao redor do mundo, inclui efeitos perversos. Um deles é a desindustrialização dos países ricos, notadamente dos EUA, onde a nova economia informacional não abre espaços para a absorção da massa de desempregados nos setores industriais tradicionais. Esses trabalhadores, e parte da classe média, que há mais de 15 anos não veem suas rendas crescerem, apoiaram Trump.

As medidas antiglobalização que ele propõe, mais do que inúteis, serão catastróficas para a economia mundial, pelo simples fato de que os efeitos perversos da globalização não decorrem da maldade do governo A ou B, e sim da trajetória histórica da economia capitalista. Trump, que deve saber disso, usou e abusou de apelos emocionais, atribuindo os males da sociedade norte-americana atual aos desacertos de Obama e Hillary na condução da economia, da política de imigração, da política externa e do combate ao terrorismo. Terminou por alimentar, na maioria silenciosa, o nacionalismo rancoroso, o racismo e a intolerância, onipresentes nas desastrosas experiências totalitárias do século passado.

Como disse FHC, não existe, no Brasil, uma direita, no sentido clássico do termo, e sim predadores que mamam nas tetas do Estado. Há que se admitir, no entanto, que ganham visibilidade no cenário nacional algumas correntes ideológicas de direita, em parte insufladas pela esquerda, que nega os abusos por ela cometidos e subestima os estragos causados pela corrupção na sociedade brasileira.

A condenação da corrupção não se restringe a frações sociais conservadoras ditas “moralistas” nem se justifica apenas pelos montantes de valores subtraídos aos cofres públicos, mas, principalmente, por seus efeitos deletérios na administração pública e na sociedade como um todo. Como acreditar que políticos e gestores corruptos possam se preocupar com as reais necessidades do povo?

Esquemas de corrupção exigem expertise, tempo e dedicação. Ao parlamentar corrupto não sobra tempo ou disposição para legislar, a não ser em benefício próprio. Da mesma forma, ao gestor público envolvido em negociatas não sobram opções senão as que envolvam superfaturamento, descaso na fiscalização de contratos e crescente enredamento de agentes do Estado, comprometendo a eficiência da máquina pública e gerando a descrença entre os cidadãos.

Tenho para mim que a oposição de esquerda estará cometendo um erro histórico caso pretenda desestabilizar o governo que dela herdamos, e caso não atente para o papel crucial do combate ao crime de colarinho-branco na retomada do crescimento e na instauração da decência na vida política nacional.

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