FLÁVIO SALIBA

Estão as democracias à beira da morte?

A brutal concentração de renda bate à porta dos países ricos

Por Da Redação
Publicado em 22 de março de 2019 | 03:00
 
 
Parlamentares europeus afirmaram que uma investigação encontrou falhas de inteligência no período que antecedeu os ataques extremistas DOMINIQUE FAGET / AFP

Um tema candente nos textos acadêmicos, na imprensa e na sociedade atual é o do enfraquecimento das democracias tradicionais. “Como as Democracias Morrem”, de Levitsky e Ziblatt, é apenas a mais conhecida das publicações sobre o tema. Apesar do amplo histórico de como as ditaduras emergem gradativamente dentro de sistemas democráticos mundo afora, aqueles autores concentram suas atenções na análise do que vem ocorrendo em sociedades tradicionalmente democráticas, como os Estados Unidos. Tais análises, no entanto, privilegiam os aspectos político-institucionais, tais como as regras escritas e não escritas da política norte-americana, que, embora relevantes, deixam de lado fatores como as rápidas transformações ocorridas na economia mundial. Há quem duvide que exista uma relação profunda entre democracia e prosperidade. Eu reafirmaria a existência dessa correlação com a ressalva de que a prosperidade, entendida como mera riqueza material, não leva necessariamente à democracia política. Senão, como explicar os casos de países orientais, como a China, que, embora ricos, são governados com mão de ferro? Ou a emergência de regimes políticos autoritários em países europeus afluentes?

O que garantiu o sucesso das democracias políticas ocidentais foi a prosperidade associada à prévia democratização das relações sociais. Tal democratização só foi possível num período histórico muito específico, que vai do final do século XIX às décadas de 70 e 80 do século XX, em que prevaleceu um mercado de concorrência quase perfeita. Tenho insistido aqui que democracias políticas substantivas são produtos da prévia democratização das relações sociais propiciada pela igualdade e liberdade das relações de mercado, e não o contrário. Estas pressupõem regras escritas e não escritas de convivência social que propiciaram o que entendemos por processo civilizador e que estão intimamente associadas às condições de cidadania social e política. Ora, o mundo mudou muito nas últimas décadas, e as ditaduras políticas podem ser úteis aos interesses dos grandes negócios. Estes, enquanto monopólios ou oligopólios, não conhecem fronteiras, solapando as condições que no passado propiciaram a emergência do pleno emprego, de relações igualitárias e das cidadanias social e política. A rigor, essas últimas têm como fundamento o trabalho, não apenas como fonte de renda, mas também como fonte de identidade individual e coletiva. O desemprego, a instabilidade ocupacional e a exclusão social devido às rápidas mudanças tecnológicas estão minando as antigas condições de convivência social. A brutal concentração de renda hoje bate à porta dos países ricos, criando um caldo de cultura favorável a demagogos e a governos ditatoriais. Alguém tem dúvida de que foi o descontentamento da população branca desempregada e empobrecida que favoreceu a eleição do atual presidente norte-americano?