Flavio Saliba

Sociólogo e professor da UFMG, Flávio Saliba escreve quinzenalmente nas sextas-feiras em O TEMPO

Os desastres da mineração em áreas urbanas

Publicado em: Sex, 08/02/19 - 02h00

Eu era criança, e já me incomodavam a poluição e o mau cheiro dos córregos que cortavam a céu aberto a provinciana Belo Horizonte. Também me entristecia a turbidez barrenta dos grandes rios próximos à capital, como o rio Paraopeba e o rio das Velhas. Achava eu que a cor desses e outros rios menores fosse fruto de uma natureza pouco generosa, que deixava a terra avermelhada de suas margens desbarrancar naturalmente.

Quanta inocência! Mal sabia eu que desde aquela época as mineradoras estavam escavando a todo vapor nossas montanhas e matando nossos rios sem qualquer cerimônia. Lembro-me de que, no início de 1972, ao abrir a janela de um apartamento no bairro Serra, deparei-me com algo inusitado: veios de terra e pedras vermelhas escorrendo do cume da montanha até então preservada. Logo percebi que se tratava de escavações de minério de ferro na sua parte posterior, ou seja, no município de Nova Lima. De nada adiantou a campanha que distribuiu adesivos com os dizeres “Olhe bem para a montanha”. Ela veio abaixo, causando danos irreparáveis à fauna e à flora da região e subtraindo a Belo Horizonte a parte mais elevada e exuberante da serra do Curral.

Uma vez desativada a mina de Águas Claras, desativou-se, também, o ramal ferroviário que a ligava ao ponto de embarque do minério em direção aos portos. Isso se deu há mais de uma década, e, desde então, o ramal está abandonado à própria sorte. Seus trilhos e dormentes simplesmente desapareceram na maior parte do trajeto. Quem roubou? Quem comprou? Ninguém sabe, ninguém viu. Seu leito vem, desde algum tempo, sendo grilado e ocupado por favelas que se ligam ao bairro Olhos d’Água, surgido da exploração do minério de ferro que abastecia a extinta Mannesman. O local, praticamente desabitado, foi logo ocupado pelos trabalhadores daquela empresa, sem qualquer planejamento ou infraestrutura.

Não é preciso muita imaginação urbanística para perceber que o leito, senão os trilhos, do ramal ferroviário de Águas Claras, serviria muito bem à implantação de uma linha de metrô ou VLT ligando Nova Lima à região do bairro Gameleira e de lá ao centro de Belo Horizonte.

A especulação imobiliária no entorno do BH Shopping e mais além, no município de Nova Lima, transformou o trânsito da região em algo insolúvel. Fala-se na construção de uma avenida no leito do ramal ferroviário. Trata-se de mais uma invencionice tacanha, que, além de não resolver o problema de trânsito na região, ignora a importância do transporte coletivo para a área metropolitana.

Mariana e Brumadinho são grandes tragédias a serem punidas, mas, como se vê, a mineração em áreas urbanas gera problemas não perceptíveis, ou ignorados, no dia a dia. A corrupção, a irresponsabilidade dos poderes públicos e um órgão de planejamento metropolitano sem serventia estão a inviabilizar a vida civilizada nas Minas Gerais.

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