Gaudencio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor (USP) e consultor político e escreve todos os domingos

Gaudêncio Torquato

Nossas vidas no amanhã

Publicado em: Dom, 13/09/20 - 03h00

Um exercício de paciência. Missão de persistência. Uma vida de mais renúncias. Essas três frases vão circunscrever nossas vidas no amanhã. O biólogo e pesquisador Átila Iamarino dá a dica: “não tem volta mágica para 2019 sem vírus. É uma adaptação pragmática para 2021 com ele”. Portanto, devemos começar já as mudanças para os dias futuros. Não espere a volta aos dias de ontem, com velhos padrões de comportamento, atitudes e gostos.

A reforma nos costumes é uma das mais árduas. Afinal, nossa tradição carrega o DNA de todo um processo civilizatório. Mas a vida segue seu curso na esteira das descobertas e inovações resultantes das pesquisas científicas. Qualquer iniciativa para salvaguardar a vida é sempre bem-vinda.

Como lembram os cientistas, o nosso foco será sempre o dos impulsos inatos aos seres vivos. Pavlov se vale do exemplo da ameba para explicar os reflexos humanos. A ameba foge do perigo, absorve alimentos, forma quistos dentro dos quais se multiplica. As pessoas, como as amebas, procuram evitar o perigo e preservar sua espécie. Se um vírus, um Covid qualquer, aparece de repente ameaçando o fluxo vital, o ser vivo reage, matando-o ou dele se afastando.

A natureza procura conservar a vida com dois grandes princípios: “soma” e “gérmen”. O primeiro, o indivíduo, conduz o segundo, a espécie; o primeiro é mortal, descontínuo, e o segundo é imortal, contínuo. Para preservar o indivíduo, antes que tenha cumprido a tarefa de transmitir o gérmen da espécie, a natureza o dotou de dois mecanismos especiais; e da mesma forma, para a preservação da espécie, proporcionou dois mecanismos. Os primeiros são os impulsos combativo e nutritivo; os segundos, sexual e paternal. Desse modo adotamos o pragmatismo para prolongar nossa preservação. A adaptação à realidade é condição sine qua non.

Que mudanças e novos costumes adotar, o que será mais impactado, o individual ou o coletivo? Arrisco a inferir que as adaptações assumirão proporção circular, sistêmica, abrangente, na medida em que a cadeia da saúde de um povo abriga mudanças nos padrões e normas governamentais, atitudes pessoais e comportamentos coletivos. Entidades e pessoas físicas deverão operar políticas de saúde, maiores cuidados sanitários, intensa prevenção, uma visão interdisciplinar para o todo e não apenas as partes.

Uma eficaz revolução de costumes depende da chave da porta do futuro: a educação. Por isso, o sistema educacional deverá focar políticas de prevenção e mudança de hábitos nas áreas dos divertimentos, conservação ambiental, mobilidade urbana, segurança pública, manifestações coletivas, como eventos de massa. Pode-se prever críticas aos governantes por fazer censura, opressão à liberdade de manifestação etc. Mas não há reforma sem ponto e contraponto.

Para a nova ordem sanitária mundial será necessária a chegada ao poder de um núcleo com novas visões, olhar de estadista, empreendedorismo e coragem. É o único meio de implantar normas para a sobrevivência da espécie, com vida saudável, políticas preservacionistas e melhor distribuição de renda. A continuar essa disparidade de classes, os grupos mais poderosos haverão de dar o tom. E então a orquestra mundial continuará desafinada.

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