Gaudencio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor (USP) e consultor político e escreve todos os domingos

O sucesso e o fracasso

Publicado em: Dom, 24/02/19 - 03h00

O novo governo nem chega ao segundo mês e já dispara um conjunto de interrogações: qual o rumo do país? Terá vez um populismo de direita? O presidente consegue apoio do Congresso? Os militares assumirão o papel de tutela ou de poder moderador? A polarização política continua?

As dúvidas se multiplicam ante a perplexidade que aflorou com o affair entre o presidente, seu filho Carlos e o ex-ministro da Secretaria Geral. Exagero dizer que houve crise. Faltou muito para isso. O pior foi ouvir o presidente nos áudios trocados entre ele e Bebianno – que realmente manteve comunicação com o presidente, não sendo assim o mentiroso, conforme dizia Bolsonaro filho.

Daí a perplexidade. O caso poderia ser equacionado rapidamente, não tivesse o presidente agido sob escudo familiar. Mas o extravagante comportamento do capitão lhe deu dimensão maior. A rispidez com seu ex-ministro e a pecha de “inimigo” ao grupo Globo conferem um tom menor à sua expressão. Como nas mensagens pela rede, a emoção diz muito sobre ele.

É cedo para dizer onde vamos parar. O teste das reformas da segurança e da Previdência será a bússola. Passando, o país define um norte. Mas as dificuldades crescem. A derrota do projeto de acesso à informação mostra que a base governista não está alinhada.

O presidente terá de engrossar o caldo populista – bolsas, melhoria dos serviços públicos, a partir de saúde, educação e segurança – para agradar às massas. O conservadorismo na área dos costumes marcará sua identidade – mais volume à polêmica.

Após a lua de mel, a real politik dará as caras para cobrar compensação. O PSL, partido do presidente, já vê seus integrantes trocando tiros. O partido pode virar uma rota de fuga.

Os militares andarão na corda bamba. Mesmo no poder pelo voto, temem a pecha de guardiões de um governo militarista de direita. Em vez de tutelar o governo, querem ser reconhecidos como moderados, com foco em harmonia e pacificação, puxando o país para o centro do arco ideológico. Tentarão também tirar o presidente da redoma familiar, impondo o discurso da razão.

Podem assumir esse papel caso o Executivo apresente trunfos na economia e nos serviços públicos. Porém, com oito ministros militares, o governo sempre será visto como um arquipélago guardado pelo poder armado. Não poderia ser diferente.

Organizações e movimentos sociais passarão o primeiro ciclo em observação, de olho no caminhar do governo. Depredação de patrimônios e invasão de propriedades ficarão sob lupa. E as oposições aproveitarão brechas para expressar seu escopo: quebra de direitos de trabalhadores, prejuízos para as classes médias, desprezo pelos direitos humanos etc.

Se o governo chegar ao fim de 2019 com inflação controlada, juros baixos, mais empregos, serviços básicos melhores, Bolsonaro passa no primeiro teste. Mas se a esfera familiar continuar a dar o tom, melhor desfazer a ideia de que Deus é brasileiro.

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