Gaudencio Torquato

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor (USP) e consultor político e escreve todos os domingos

Os enviados de Deus

Publicado em: Dom, 26/05/19 - 03h00

Muitos governantes invocam o nome de Deus como escudo, registra a história. Em seu reinado, o ditador Franco, “caudilho da Espanha pela Graça de Deus”, referia-se sempre à Providência Divina: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa pátria para que a governemos”. A fascista Falange Espanhola o declarou “responsável perante Deus e a história”.

Monarcas justificam tudo pelo direito divino, independentemente da vontade dos súditos. Hassan II, em Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé: “Não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé”.

Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como divindade. Criou uma aura, distante da população, que viveu guerras e mortes. Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol, Amaterasu.

O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia, perguntaram: “O senhor conversa com frequência com Deus?” Ele: “Sempre que necessário”. Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: “O infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal”.

Aqui se eleva aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: “Na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo, o imperador da Pérsia, Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: ‘Eu escolho meu servo Ciro’. E o senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil”.

O nosso Messias jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.

Para reforçar, o bispo Edir Macedo pede que Deus “remova” quem se opõe a Bolsonaro, acusando políticos de tentar “impedir o presidente de fazer um excelente governo”.

O fato é que os governantes, em países atrasados culturalmente e até desenvolvidos, organizam seu próprio culto. Querem a imprensa cultivando sua imagem de herói, salvador da pátria, super-homem, pai dos pobres, enviado dos céus. Nietzsche já alertava contra tal esperteza: “o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus”.

Essa mania do parentesco com Deus ressurge na onda direitista e populista que se espraia pelo planeta. Os governantes assumem comportamento autoritário, criam estruturas próprias de comunicação, formam alas sociais amigas e inimigas, fustigam a imprensa.

Cortam investimentos publicitários, extinguem empregos e investem no “achismo” das redes sociais. Os efeitos brotam: perda de credibilidade da informação; formação de exércitos na guerra da contrainformação; apartheid social.

No meio do turbilhão, Jair ataca a imprensa e os políticos e, quem sabe, pensa em subir ao trono das divindades. Já tem até identidade: afinal, Messias é seu sobrenome.

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