Gilda de Castro

Arquivos pessoais e a história do cotidiano

Publicado em: Sáb, 01/07/17 - 03h00

O Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG) empenha-se, desde o início, para reunir e preservar documentos para a pesquisa sobre nosso Estado. Houve, recentemente, atualização do estatuto, em que se destacou a criação de um Centro de Documentação, abrangendo cinco setores: Biblioteca, Mapoteca, Hemeroteca, Videoteca e Medalhística e Honrarias, acatando princípios metodológicos de alto nível para sistematização de dados e exposição de informações.

A Hemeroteca vem reunindo, além de jornais e revistas publicados desde o século XVIII, outros registros que compuseram, algum dia, o cotidiano de mineiros, como fotografias, cartas, diários pessoais, projetos oficiais, objetos sacros, ferramentas de trabalho, peças de artesanato, costura e bordado, receitas culinárias, memórias de pessoas comuns, relatos de viagens, descrição do lazer no campo e na cidade e qualquer outra expressão que possa contribuir para elucidar o dia a dia dos diversos grupos humanos que se fixaram no território conhecido hoje como Estado de Minas Gerais. Será uma tarefa que demandará espaço para exposição, pessoal qualificado em museologia, reconhecimento de que essas peças possam contribuir para o conhecimento de tempos pretéritos e interesse da comunidade em doar objetos antigos sem valor comercial.

Temos recebido algumas doações e ficamos encantados com um livro de Laura do Nascimento, denominado “Minhas Poesias”. A autora, certamente, já faleceu, mas legou à sociedade um cuidadoso manuscrito em que ela registrou, entre 1925 e 1940, cem poemas escritos por brasileiros daquele tempo ou de algumas décadas antes, como Olavo Bilac, Raimundo Correia, Augusto dos Anjos, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia. Há uma predominância de sonetos, forma poética própria do romantismo.

Laura do Nascimento cuidava da estética de seus registros, expondo os textos sempre na página direita e ilustrando a esquerda com um recorte colorido de uma revista. O conteúdo era sentimental com alguma exaltação religiosa, como era a alma predominante das mulheres na primeira metade do século XX.

É importante destacar que esse tipo de registro era frequente até o final dos anos 1960, especialmente entre as jovens que viviam em internato dos colégios. Chamava-se “Caderno de Recordação”, porque seu propósito era reunir textos para lembrar-se das colegas após a formatura, em que cada uma seguiria seu caminho coroado pelo casamento. Elas esperavam manter amizade eterna, apegando-se àquele registro. Pediam, então, às amigas que escrevessem o poema preferido, seguido de dedicatória à proprietária do livro.

Isso foi extinto com as aspirações femininas dirigidas para ousados projetos profissionais, a ocupação do tempo com outras opções de lazer, as proposições pedagógicas desfocadas da literatura, as modernas técnicas de comunicação e a negação do romantismo com outros modelos de relações de gênero. Esse material deve existir, então, na Hemeroteca do IHGMG como registro de outro tempo não muito antigo.

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