Gilda de Castro

Tragédia política e comoção popular

Publicado em: Sáb, 08/09/18 - 03h00

Entre os problemas que tumultuaram a sucessão na Presidência da República, ressaltam-se duas mortes de eleitos antes da posse no cargo. O primeiro caso foi o de Rodrigues Alves, que não resistiu à gripe espanhola, perecendo no dia 16.1.1919. Ele governou o país entre 1902 e 1906, e as lembranças não eram boas, porque tomou medidas enérgicas para sanear e reurbanizar a capital federal, desencadeando rejeição popular, como a Revolta da Vacina, em 1904. Mesmo assim, foi vitorioso em eleição direta, em 1918, mas não chegou a assumir como primeiro mandatário.

O outro caso foi o de Tancredo Neves, em 1985, gerando comoção popular por várias razões. Saíamos de um longo período de arbítrio; tínhamos votado para presidente, pela última vez, em 1960; vivíamos grave crise econômica com inflação ascendente; havíamos participado de manifestações por eleições diretas desde 1983, e ainda lamentávamos a derrota na votação da emenda Dante de Oliveira, em 25.4.1984. Assim, nós nos sentíamos participantes efetivos do colégio eleitoral, no dia 15.1.1985, quando Tancredo ganhou de Paulo Maluf no voto aberto dos parlamentares. Éramos, naquele momento, espectadores de notável cobertura da mídia, após muitos anos de censura à imprensa. Brasília estava, então, em festa para a posse, com caravanas de todas as regiões. Seria o momento da virada de página, em que encerraríamos um ciclo infeliz para encarar outro com ascensão social, democracia e redefinição de rumos.

A notícia da cirurgia de emergência de Tancredo Neves, na noite de 14.3.1985, abalou profundamente o país, e todas as atenções se voltaram para o Hospital de Base de Brasília nos dias subsequentes. Diante do risco de crise institucional, houve a posse de José Sarney, vice-presidente eleito dois meses antes, esperando que tudo fosse normalizado em pouco tempo. Houve, entretanto, frustração, porque o empossado tinha sido leal colaborador dos governantes militares e daria rumo diferente do que esperávamos de Tancredo Neves.

Foram dias muito difíceis, em que a televisão apresentava boletins sobre o estado de saúde do presidente eleito e ele não recebia alta. Surgiram correntes de orações em todo o país por sua recuperação. Por que o Brasil enfrentava mais um obstáculo para pavimentar seu futuro? Por que sofríamos mais um revés, em meio à recessão devastadora, se estávamos prontos para uma fase de prosperidade, sob uma liderança que tinha conquistado apoio popular, em mais de duas décadas? Nós não merecíamos um cotidiano tranquilo, estável e próspero?

Houve outras cirurgias e a transferência do enfermo para o Instituto do Coração, em São Paulo, no dia 26.3.1985. Nossa aflição aumentava, enquanto diminuía a esperança de que Tancredo Neves viesse a ser empossado. O óbito foi na noite de 21 de abril, desencadeando muito sofrimento em todo o país, expresso por multidões que acompanharam o féretro em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e São João del Rei, onde o eleito foi sepultado, três dias depois.

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