Heron

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Por trás da ‘sinceridade’

Publicado em: Sáb, 21/03/15 - 03h30

Estratégia calculada em detalhes para conseguir se sair bem de um governo que anda em frangalhos e que terá muita dificuldade para recuperar sua popularidade caso consiga chegar ao fim. Só assim é possível compreender o escracho que o ex-ministro da Educação Cid Gomes deu no Congresso, em uma audiência em que ele deveria pedir desculpas para “Vossas Excelências”.

O que ele disse é o que qualquer brasileiro mais antenado pensa e tem vontade de dizer aos 300, 400 ou 513 “achacadores” da nação. Lula, quando ainda era tido como bastião da ética na política brasileira, já havia utilizado o recurso, chamado os congressistas de “picaretas”, porém com intenções não tão precisas como as do ex-governador do Ceará.

Político experiente que é, Cid jamais exporia tal rompante se já não tivesse se convencido de que a “pátria educadora”, para a qual foi escolhido como um dos timoneiros, já está em uma fossa profunda, sem chances de escapar, antes mesmo de se completarem cem dias de governo.

“Achacar” é um termo que quer dizer “tomar dinheiro de outra pessoa por interesse”. Foi isso que Cid Gomes disse aos deputados, com o dedo em riste para o presidente da Casa. E, de fato, é isso o que o dia a dia nos confirma.

Os “achacadores” vão bem além de deputados e senadores. Eles estão por toda parte, reunindo-se pelo menos uma vez por semana nas Câmaras do Oiapoque ao Chuí, exigindo favores para votar isso ou aquilo, para receber um favorzinho, uma propinazinha, um agradozinho que seja.

Aliás, está aí uma crítica às manifestações do dia 15 de março. O caixão que muitos manifestantes carregaram, tendo dentro o cadáver simbólico de Dilma Rousseff, deveria ser maior e incluir as cinzas de muitos que estão usando o difícil momento pelo qual passam o país e o governo (ou os governos) para, como sabemos, achacar mais um pouquinho.

Como ministro, esperava-se de Cid uma rendição aos congressistas, mas, entre “ser mal-educado ou achacador”, preferiu a primeira opção.

Apesar de flagrante oportunismo, saiu-se bem. Não porque é santo, mas porque é inteligente. Não porque é louco, mas porque tem instinto de sobrevivência. Não porque também não possa ser chamado de “achacador”, afinal, ele também já foi um deputado, mas porque falou a verdade. E a verdade, como as palavras sagradas revelam, sempre liberta, mesmo que seja, no caso, uma liberdade condicional.

O ex-ministro vai voltar para Sobral com capital político para se despontar daqui a pouco como desejar. Ele, o irmão Ciro Gomes e o partido deles poderão, daqui a pouco, ter na cena política o papel que desejarem. Situação, oposição ou, o que é mais provável, o meio-termo, com verniz da “independência”.

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