Joao Gualberto Jr.

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Os dois lados da moeda suja

Publicado em: Ter, 01/12/15 - 02h24

O sociólogo Jessé Souza é um sujeito controverso, reconhecido dentro e fora da academia por ser assim. Ele assumiu essa marca como estilo em algum ponto de sua carreira. Vestiu a carapuça e toca em feridas sempre que escreve e fala. Longe de buscar complacências, parece preferir se arriscar entre admiradores e detratores. Aliás, essa é uma característica de outros “pensadores” brasileiros contemporâneos, que talvez vejam no flerte com a polêmica uma vara para saltar os muros da universidade. Que bom!

Jessé, que Dilma nomeou no começo do ano para presidir o Ipea, deu uma entrevista recente ao portal brasileiro de “El País”, em que apresentou ideias que estão em seu novo livro: “A Tolice da Inteligência Brasileira”.

Nele, diz haver um aparato institucional armado para manipular a classe média em favor da manutenção do status quo social, falando aos sentimentos dela. E, por fim, alerta para a modalidade pós-moderna de golpe articulado pelos órgãos de controle e pelo Judiciário para benefício do capital, os tais 20% que mandam no país. Salta aos olhos a manchete: “No Brasil, o Estado é demonizado, e o mercado é o dono de todas as virtudes”.

Não são controversas as afirmações? Pode haver também “conspiracionismo”, exagero, vitimização partidária e até atrevimento intelectual. Mas é fato a força do conto de fadas (pseudo)liberal à brasileira que rende louros ao mercado e joga o poder público na lama. Esse ideário frágil, maniqueísta, desonesto intelectualmente invade nossas casas, mesmo, diariamente, em doses homeopáticas.

Mas convém contrapor a essa lógica plena de autointeresse algumas questões. Quem corrompe o político corrupto? Quem compra a fidelidade de parlamentares, prefeitos e governadores com doações eleitorais vultosas? Quem paga propina para caixa 2 de campanha em troca de contratos direcionados de obras públicas? Quem molha a mão do fiscal da Receita para sonegar imposto? Quem manda matar o líder sem-teto que militava pela regularização de um assentamento? Quem compra emendas e medidas provisórias em favor dos negócios? Quem fere um rio de morte por negligência e esconde o dinheiro com que se deveria indenizar as vítimas? Quem estende a alfafa em que pastam quase todos os partidos?

Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? O corrupto ou o corruptor? Difícil. Seria preciso investigar a distribuição de capitanias e sesmarias pela coroa de Portugal no século XVI. O “coitadismo” de que se reveste o discurso dos advogados de empreiteiros presos, de que a corrupção era a única via para a sobrevivência das empresas, é digno de dó e tão fantasiosamente ingênuo quanto a tese hegemônica do Estado mínimo no Brasil.

Zelotes, Lava Jato, mensalão, lama de Bento Rodrigues estão aí para apresentar a podridão umbilical que une poder público e mercado. Ambas as instâncias têm suas virtudes, mas nessas histórias só tem lobos maus. Para sermos menos tolos, façamos sempre aqui como no “Watergate”: “Follow the money”.

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