JÚLIO ASSIS

O ornitólogo Ruiz

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 20 de julho de 2015 | 03:00
 
 
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Em um trecho do filme “Neruda – Fugitivo”, em cartaz em Belo Horizonte, um amigo do pai do escritor chileno Pablo Neruda (1904-1973) revela a este a decepção paterna por sua escolha em almejar, ainda na adolescência, a carreira de poeta. Esse amigo narra algo como o pai reclamando do jovem alheio a tudo, que ficava olhando o infinito como se não estivesse neste mundo.

Eis que, décadas mais tarde, nos anos 40, ao fugir da perseguição política do então presidente Gabriel González Videla, para cruzar o interior do Chile clandestinamente em direção à Argentina, lhe conseguem identidade falsa de um tal Antonio Ruiz; profissão: ornitólogo. Ora pois, o que caberia melhor a um poeta que a atividade de observador de pássaros? Mas para um poeta eles têm que ser livres, claro.

Deixei para ler depois que assisti ao filme as críticas, que não pouparam o cineasta chileno Manuel Basoalto em sua primeira cinebiografia – até então havia realizado documentários e trabalhos para a TV. Em síntese, os críticos definem o longa-metragem como superficial, avaliam que o diretor perdeu a chance de trazer uma obra à altura da importância de Neruda.
De fato não é um grande filme, há várias lacunas evidentes no andamento da narrativa, mas eu, que não fui atrás de uma obra de arte irretocável, me dei por satisfeito em ver esse relato histórico-poético que Pablo Neruda rememorou em seu discurso ao receber o prêmio Nobel de Literatura em 1971, na Suécia.

A cinebiografia, aliás, começa com a leitura desse discurso. E logo as palavras remetem às imagens do então senador Neruda (interpretado por José Secall) em seu embate com Videla. O escritor tem, então, sua prisão decretada e é protegido por amigos até – depois de vários percalços – empreender uma arriscada travessia da Cordilheira dos Andes a cavalo para conseguir fugir do país.

No período da clandestinidade ele escreve uma de suas principais obras, “Canto Geral”. E a viagem ao interior do Chile é também oportunidade do retorno onírico ao universo de sua infância e do início da juventude, às raízes chilenas profundas e também às primeiras influências, de autores como Rimbaud.

Em outro trecho do filme, ele suspeita que um homem pode denunciá-lo à polícia. O homem diz para ele não se preocupar, pois o admira e sabe separar a política e a poesia. Neruda responde que não, para ele não se separa a política, a poesia, a história.