JÚLIO ASSIS

Preto e branco

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2013 | 03:00
 
 
Hélvio

O ônibus coletivo que passa e toma meu campo de visão do passeio, parece quase vazio, por isso chama mais atenção a moça que dorme com a cabeça encostada no vidro, vestindo blusa de listras brancas e pretas. Dorme profundamente ali, um pouco antes das duas da tarde da última quinta-feira. Exausta, não deve ter se dado trégua na comemoração do título do Atlético na Taça Libertadores da América. Se está indo agora para o trabalho ou outro compromisso, o que vale é vestir a camisa alvinegra. O ônibus segue e duvido se, apagada assim, ela conseguirá descer no ponto certo. Talvez esteja sonhando com as cenas reais do último pênalti do time adversário cobrado para fora e a explosão do grito “é campeão”. Esta é atleticana.

Mais tarde, na saída do expediente, no primeiro semáforo que acende a luz vermelha, um carro se emparelha, ocupado apenas pelo motorista, que ouve em alto volume o hino do Atlético em ritmo de música eletrônica. O ritmo aqui não importa, o que vale é celebrar, penso de início. Mais aí a música termina e recomeça, o sinal abre e por coincidência o carro segue o mesmo caminho que o meu. À frente há uma retenção por excesso de veículos, o tráfego se arrasta lentamente e ora o carro está um pouco à frente, ora um pouco atrás, tocando alto o hino que termina e recomeça, e repete, e recomeça. Mais adiante outro semáforo, a batida eletrônica do Galo vingador não cessa e inebria o condutor. Só alguns quilômetros depois, para alívio, ele toma uma via à direita, diferente da minha, e o hino ecoa ainda um pouco até desaparecer. Este é atleticano.

Na noite anterior dividi com cerca de 60 mil desses alvinegros todas as emoções ao vivo no Mineirão, intercalando por cerca de 3 horas lances de drama e euforia, até o êxtase final. Nós, da torcida, com a força da fé no título, mas ao mesmo tempo temerosos, pois que em campo as situações se alternavam em bons e maus momentos.

Concluída a façanha com todos os méritos, repasso no retrovisor outras experiências de forte adrenalina vividas no Mineirão, a final do Campeonato Brasileiro em 1977 contra o São Paulo, quando o Galo fez a melhor campanha e o título foi para o espaço depois que o zagueiro chutou a cobrança de pênalti para cima. Uma virada histórica contra o Bahia nos anos 1980, que se não me engano foi o jogo que o jornalista Armando Nogueira assistiu acompanhando o colega e atleticano Chico Pinheiro. Foi quando Nogueira conheceu de fato do que a Massa atleticana é capaz, e passou a exaltar isso sempre que se referia ao Atlético.

As peraltices geniais de Reinaldo são igualmente inesquecíveis. São muitas outras histórias que não vão caber aqui, mas ao citar os dois jornalistas conhecidos me lembro também de artistas que reforçaram e reforçam essa imensa torcida, dentre eles Beth Carvalho e, em memória, Cássia Eller. Beth, aliás, após ficar quase 11 meses internada no Rio, por problemas decorrentes da coluna, teve alta na véspera da decisão de quarta-feira passada. Um ótimo presságio, sem dúvida! E a Massa cantou “Vou Festejar” nas cadeiras do Mineirão e na praça Sete. Roberto Drummond foi o escritor que mais enalteceu o sangue atleticano e deixou cravada a frase: “Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”.

Escrevo este texto antes do clássico de ontem entre Atlético e Cruzeiro. E independentemente do que tenha acontecido, nada será como foram os últimos dias desde a quarta-feira passada. Na manhã daquele dia, o vendedor de bandeiras do Atlético no semáforo já pressentia ao me dizer: “compre hoje porque amanhã vai ficar mais cara”.