Kenio de Souza Pereira

Kênio de Souza Pereira éadvogado e Diretor Regional da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Mercado imobiliário

Lei não autoriza convenção a lesar condômino

Publicado em: Seg, 28/07/14 - 15h17

Um dos maiores desafios que tenho enfrentado nesses últimos 20 anos é explicar que a convenção, a qual alguns dizem ser a “lei do condomínio”, não se equipara à Constituição Federal. A convenção é um contrato e não pode afrontar princípios jurídicos. Qualquer condômino prejudicado pode requerer em juízo a declaração de nulidade de cláusula que promova o enriquecimento sem causa e as cobranças injustas.

LEI NÃO AUTORIZA IGNORAR MATEMÁTICA E SER DESONESTO

Como exemplo, cito um estelionato, pois se enquadra no art. 171 do Código Penal. Há construtor que insere na convenção que ele pagará apenas 30% da taxa mensal de condomínio das unidades que não vender. Assim, num edifício com 80 unidades, em que a taxa de condomínio de cada apartamento seja R$700, o construtor, detentor de dez unidades que reteve para especular, pagará apenas R$ 210 de taxa por apartamento. Logicamente, nenhum juiz entenderia ser essa cláusula válida. É óbvio que os porteiros, faxineiras, elevadores e outros serviços estão à disposição dos 80 apartamentos e, caso o construtor permaneça com as dez unidades dele fechadas por anos, seria um abuso sobrecarregar os demais 70 condôminos.

TRIBUNAL RGS DERRUBA RATEIO ABUSIVO

Como citei no artigo “Taxa de condomínio x moradores”, publicado nesta coluna no último dia 12, com a evolução do conhecimento surgem novas decisões dos tribunais que deixam claro que somente quem tem má-fé ou que tem dificuldade com cálculos matemáticos e com a lógica, interpreta que o art. 1.336 do CC autoriza lesar o vizinho com taxa injusta, de forma a afrontar os artigos 157, 422, 884 e 2.035 do CC.

No dia 5/12/2013, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul isentou o apartamento térreo de pagar por despesas que ele não usufruía e, assim, repudiou o uso da fração ideal: “Somente entrará na divisão de custos aquilo que o apartamento térreo efetivamente utiliza ou em potencial o pode fazer. A convenção de condomínio não é lei, não é absoluta e nem pode ir de encontro à lei. Tal independe do quórum, da forma adotada, do registro. Então, primeiramente, atente-se para o fato de que nem tudo o que a Convenção de Condomínio disser será fato, será ‘lei entre os condôminos’, se o dito ferir a lei e a lógica. E a lei determina a contribuição do condômino naquilo em que o mesmo efetivamente for partícipe na despesa (Lei 4591/64); o demais é abuso de direito originário dos demais condôminos, interessados em aumentar o rateio das despesas para diminuir suas próprias contribuições. Não colhe. Fere o bom senso (e a lei) exigir-se que o condômino, na espécie, pague por serviço de que não usufrui.”

MUDAR RATEIO EXIGE TÉCNICA JURÍDICA

Para evitar dúvidas quanto ao que defendo, nunca residi em cobertura e no prédio em que moro, os dois apartamentos de cobertura pagavam, há anos, 50% a mais que os apartamentos tipo. Tomei a iniciativa de propor o rateio igualitário, pois não tinha sentido eu pagar menos que meu vizinho. Mediante a aprovação unânime os condôminos alteraram a convenção, passando todos a pagarem o mesmo valor de taxa. Simples, questão de honestidade.

Entretanto, há casos da maioria composta pelos apartamentos tipo se unir para lesar o proprietário da cobertura/térreo. A experiência aconselha que o morador prejudicado não deve tentar alterar a convenção sem uma assessoria jurídica, pois é comum grandes embates na reunião, que geram muita angústia e decepção.  

 

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