Acílio Lara Resende

A vida não é fácil para ninguém

Lição de Gonçalves Dias em tempos de polarização

Por Acílio Lara Resende
Publicado em 21 de março de 2024 | 07:05
 
 
Acílio Lara Resende A vida não é fácil para ninguémjpg Foto: Ilustração/O Tempo

A vida não é fácil para ninguém. Como dizia o poeta maranhense – indianista e romântico –, além de teatrólogo, Antônio Gonçalves Dias (10/8/1823 a 3/11/1864), “a vida é luta renhida”. Impossível não transcrever estes inesquecíveis versos: “Não chores, meu filho;/ não chores, que a vida/ é luta renhida: viver é lutar./ A vida é combate,/ que os fracos abate,/ que os fortes, os bravos/ só pode exaltar”.

Nenhum de nós, leitor, que teve a oportunidade de frequentar a escola, privada ou pública, desde o curso primário (um direito, infelizmente, ainda não conquistado pela maior parte do nosso povo), jamais se esqueceu dos belos versos desse maranhense genial que foi Gonçalves Dias, filho de um comerciante português com uma mestiça. Filiação, aliás, que lhe custou muito caro, sobretudo no amor, quando foi recusado, em razão de sua origem, pela família de sua musa Ana Amélia, nascida em São Luiz, mas filha do português Domingos José Ferreira do Vale, nascido em Lisboa. O poeta, aos 41 anos, foi vítima de naufrágio, na costa maranhense, do navio francês Ville de Boulogne.

Pois bem. Hoje, mais do que nunca, em nosso país, precisamos nos lembrar do poeta e dos seus belos versos com o firme propósito de enfrentar a faina diária que cabe a cada um de nós. Não é pouca nem é pequena, e você, leitor, mais do que ninguém, sabe disso.

Ocorrem-me agora quatro observações. A primeira: o poeta, se por aqui viesse, se espantaria com o que nos oferece a moderna tecnologia. Dependemos para tudo, do nascimento até a morte, de uma bugiganga que somos obrigados a carregar desde o amanhecer do dia até o anoitecer – o celular. Que salva e, ao mesmo tempo, mata.

A segunda: para agravar ainda mais a nossa faina diária, a política, que deveria ser – como já foi noutros tempos – a arte da conversa, além de oportunidade para o entendimento, presa à incrível, inaceitável e burra polarização, passou a servir como instrumento de desentendimento e de inimizades entre velhos amigos e familiares.

A terceira: o grande mal está na generalização, que se tornou um hábito, que, lamentavelmente, vai tomando conta de todos nós, brasileiros, sobretudo quando o assunto tem relação com as nossas ideias sobre política – ciência indispensável ao regime democrático – ou com nossas instituições ou com aqueles que as representam. É comum ouvir do nosso interlocutor, por exemplo, a afirmação enganosa de que, em nosso Congresso Nacional, “ninguém presta. Todos estão lá para defender os seus interesses, que se sobrepõem ao interesse público”.

Enfim, a quarta: há, em qualquer parlamento, os que, na realidade, no dia a dia, só pensam neles e nos seus interesses. Mas essa não é a realidade. Há exceções (e muitas) que fazem a diferença. Cabe a nós, por meio do voto livre e direto, melhorar a sua qualidade.

A polarização é arma dos tiranos e dos fracos.

Acílio Lara Resende é jornalista