LAURA MEDIOLI

A menina e as jacas

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 17 de julho de 2016 | 03:00
 
 
Acir Galvão

Uma das melhores recordações de minha infância é de quando eu e meus irmãos nos deitávamos à noite na grama para ver estrelas e ouvir histórias.

Foram diversas as vezes em que meu pai estendia o lençol no gramado e, olhando para o céu, nos contava a história do menino Giovanni, da qual éramos incansáveis ouvintes. Os cachorros normalmente nos faziam companhia e, sem cerimônia, se jogavam em nosso lençol.

Naquela época, praticamente não existia o campus da Universidade Federal. A visão que tínhamos a nossa frente era a de uma mata fechada no alto do morro, na verdade uma “floresta”, como aparecia em minha mente infantil repleta de “cobras, lobos e macacos”. Essa floresta durou longos anos, até ser transformada no campus universitário. Com o passar do tempo, tudo foi mudando. Nossa pacata Engenho Nogueira transformou-se numa avenida grande e movimentada, chamada Catalão, atualmente Presidente Carlos Luz.

Lembro-me de que durante sua construção, assim como durante a construção da universidade, eu e meu primo Marcos, ainda crianças de pés descalços, quase enchemos nossos “porquinhos”. Explico: minha família, juntamente com a de meu primo, morava numa grande propriedade – quase uma fazenda – chamada por nós de Vila Paulo, onde existiam muitos pés de manga, jaqueiras enormes, goiabeiras, um pé de abiu, um de jambo e alguns de jatobás. Como os operários das obras aguardavam o ônibus em frente a nossa cerca, resolvi montar uma barraquinha de frutas. Sucesso!

Em pouco tempo, meu primo, vendo que o negócio era bom, montou barraquinha ao lado.

Um dia chegou um senhor numa lambreta e, no meio daquele poeirão, parou pedindo uma jaca. A da minha barraca já estava meio passada. A do meu primo, ainda verde. Pronto! Estava criado o impasse.

O pobre homem não sabia como administrar o quiproquó que se formou. Meu primo, mais despachado, tentava convencê-lo de que a sua jaca era melhor que a minha. Discutimos tanto que acabamos levando-o para dentro de casa, para ver se nas árvores havia uma terceira opção. Não havia. Nossas jacas eram as últimas da estação. O conflito continuou, quase já partindo para o tapa, até ser finalmente resolvida a questão.

E de nossas barraquinhas avistamos, partindo em meio à poeira, um senhor equilibrando duas jacas em cima de uma velha lambreta.