LAURA MEDIOLI

Aparece lá em casa!

Minha casa era tão incrivelmente aberta às pessoas que meu marido, mesmo sem entender, acabou aderindo à ideia

Por Laura Medioli
Publicado em 17 de março de 2019 | 04:30
 
 
Acir Galvão

A informalidade do brasileiro, para quem não está acostumado, assusta. Lembro-me de um comentário feito por meu marido nos seus primeiros anos de Brasil. “Aqui tem coisas que eu não entendo. Se alguém me convida para ‘aparecer’ na sua casa, mas não me passa o endereço, horário ou qualquer indicação, é um convite para ser levado a sério ou não?”

Até que, ao conhecer minha antiga casa, um ano após aportar no país, entendeu que “aparecer” é aparecer mesmo, sem necessidade de agendamento.

Minha casa era tão incrivelmente aberta às pessoas que ele, mesmo sem entender, acabou aderindo à ideia. E começou a aparecer por lá. Criou vínculos com meus pais, com meus irmãos, até que, dez anos depois da primeira ida, entre encontros e desencontros, acabou me levando com ele para outra casa, onde há mais de 30 anos recebemos antigos e novos amigos.

Não dá para esquecer quando ele, com pouco tempo de casados, me ligou às três da tarde para dizer que tinha convidado, após uma convenção partidária, alguns prefeitos e outros políticos para um churrasco em nossa casa. Detalhe: em casa de vegetarianos não existe churrasqueira, ou seja, como ele me avisa que dentro de cinco horas faríamos um churrasco? Detalhe dois: nunca tínhamos feito churrasco na vida. Três: os convidados eram mais ou menos 30. Quatro: a luz do ambiente do jardim, onde havia uma suposta e aposentadíssima churrasqueira do antigo morador, não funcionava. Não propriamente a luz, mas a fiação. Cinco: da mangueira gigante que ficava no centro da área externa, caíam mangas de dez em dez minutos, que se espatifavam no chão com direito a abelhas e lambanças. E eu já fui logo pensando: e se cai uma manga na cabeça de um prefeito? Devido ao tamanho da fruta e à altura dos galhos, o perigo era iminente.

Parei de pensar em fatalidades, pois já tinha coisas demais com o que me preocupar, tipo: onde vou colocar 30 pessoas para se sentarem? Antes de me enlouquecer, fui enlouquecer o jardineiro: “Chiiiiico!!! Temos que limpar a área da mangueira, tirar as mangas com as abelhas... Cadê o telefone do eletricista? Alguém viu a caderneta? M...! Tenho que arrumar alguém que entenda de churrasco, quem sabe o Carretão me ajuda nisso?”

– Não se preocupe, senhora! Levamos tudo... A carne, o arroz, o vasilhame... É para quantas pessoas mesmo?

Também liguei para minha mãe. “Sim, mãe, está tudo certo, apenas me passe o telefone daquela loja de festas em que você costuma alugar as mesas”.

“Perdeu o número? E o nome, você lembra?” Naquela época não existiam computadores pessoais, celulares, e nem sonhávamos com os “googles” da vida. Corri para as páginas amarelas do catálogo. Alguém se lembra disso? Do tamanho dos antigos catálogos e de suas folhas amarelas? Pois é, lá fui eu procurar nas letras miúdas o raio da loja de aluguel de móveis.

O eletricista chegou, ou melhor, foi buscado quase que à força para me ajudar a resolver o problema. E numa gambiarra homérica esticou um fio de um canto a outro até conseguir pôr iluminação no lugar. Aproveitei a ida do homem para ajudar na montagem da “churrasqueira” – um monte de tijolos, um em cima do outro, com algumas adaptações. Acabando a “obra”, sai correndo para comprar carvão e sacos de gelo.

Menos mau que eventos políticos costumam ser sem frescuras, sem superorganizações e meio de improviso. Estávamos dentro do padrão.

Às 20h em ponto, começaram a chegar os prefeitos. Alguns, com as esposas a tiracolo. Tinha até flores em cima das mesas, além da cerveja gelada e tira-gostos, enquanto churrasqueiros tarimbados se viam às voltas com uma churrasqueira improvisada pra lá de complicada. Resumindo: a festa, impecável, e eu, destruída – literalmente falando.

Chamei meu marido num canto: “Da próxima vez eu te mato!” E ele: “Eu sabia que você daria conta...” Acabamos rindo, afinal, desde menina estou acostumada a ver gente “aparecendo” em minha casa. Mas 30 de uma vez? Para um churrasco sem churrasqueira?

Depois desse, outros eventos de última hora aconteceram, e eu, naturalmente, já tirava de letra.

Em 2015 fui conhecer a Alemanha. Que país! Organização, limpeza, segurança, pessoas cordiais, transporte público maravilhoso, cidades incríveis, museus fantásticos etc., etc... Amei tudo, só me causaram estranhamento alguns costumes, como o excesso de formalidade em certas ocasiões.

Lá é o tipo de lugar onde você JAMAIS deve aparecer na casa de alguém. Mesmo marcando uma visita com 15 dias de antecedência, já complicamos a vida do anfitrião, isso porque, no verão principalmente, eles já têm a agenda ocupada para toda a estação, obviamente marcada com muita antecedência. Por isso, foi um “deus nos acuda”, imagino eu, quando, dez dias antes, resolvemos combinar uma “visitinha”. Chegamos à tardinha, onde fomos recebidos maravilhosamente bem. Depois dos tira-gostos, vinhos e conversas interessantes, nos convidaram a um restaurante próximo. A anfitriã era prima do meu genro, uma graça de pessoa que, apesar do agendamento “em cima da hora”, nos deixou muito à vontade. Ela, o marido, o irmão e outros parentes.

O pai dela, numa das vindas ao Brasil, hospedou-se como de costume na casa do meu genro. E ficava intrigadíssimo com o entra e sai de amigos. A maioria chegava sem aviso prévio. Tipo: “O Gute está?”

– Não – respondia ele em seu germânico portunhol –, ele saiu.

– Fala com ele que o Feijão esteve aqui! Volto mais tarde...

Que Feijão? Como assim? E, sem entender nada, ia perguntar à cunhada se isso era normal.

Até que chegou o dia do aniversário da sobrinha. No meio da semana, cansada do trabalho, ela decidiu que não faria nada no dia. Isso até os telefonemas começarem. “Mas você vai passar o dia em branco? Assim, sem comemorações?”, perguntavam os amigos.

Os telefonemas a animaram, e ela acabou resolvendo fazer uma festinha de “ultimíssima” hora na sua casa. Quem ligava, ela chamava.

Saiu para comprar pãezinhos, queijos, cervejas e patês, para o espanto do tio, que, cada vez mais, menos entendia. E perguntava: “Mas você os está convidando AGORA? Para daqui a pouco?”

– Sim – respondeu a garota.

– E ELES VÊM???

Definitivamente, o tio não entendia que no Brasil vive-se e convive-se perfeitamente sem agendamentos prévios. E que aquele “aparece lá em casa” pode ser ou não um convite... Mas vai explicar isso a um alemão!