Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

Bebês tecnológicos

Publicado em: Dom, 13/11/16 - 03h30

Com menos de cinco minutos de vida, pude conhecer, pelo meu celular, o rostinho delicado e ligeiramente amassado do bebê de minha amiga que mora no Rio.

Além dela, no decorrer da semana, também participei da chegada de outros bebês amigos, mesmo que virtualmente. Já os vi dormindo, tomando banho, no colo de pais encantados... Principalmente aqueles de primeira viagem.

E fico aqui pensando no bebê que fui, com direito a apenas uma foto amarelada, que, para dizer a verdade, desconfio que seja de minha mãe, constrangida por não oferecer nenhuma recordação à única filha nascida após três homens. Finjo acreditar que aquele bebê lindinho e desbotado no papel amarelado seja eu, enquanto ela, se dizendo esquecida, tenta me confundir com a foto: “Tenho quase certeza de que é você, filha!!!” E ficamos assim. Não me importo, afinal, nos outros requisitos, minha mãe foi insuperável, nada a reclamar.

Meus pais nunca se preocuparam com registros fotográficos, acho que nem máquina eles tinham. As fotos de meus irmãos, quando crianças, foram feitas por um tio-avô, que, infelizmente, morreu antes que eu viesse ao mundo.

Nasci numa época em que era impossível saber com antecedência o sexo do bebê. A surpresa era ali, no momento do parto.

– É uma menina! Uma menina!!! – gritava meu pai, a plenos pulmões, nos corredores compridos do Hospital São Lucas. Por onde passava era cumprimentado. Afinal, para ele, uma menina, após três homens e um aborto natural, era mesmo uma notícia a ser divulgada entre gritos, lágrimas e uma indescritível emoção.

Ainda hoje, eu, mãe de duas moças, continuo a ser a “menina” do meu pai.

Atualmente, além de saberem o sexo dos filhos com antecedência, os pais podem ter seus bebês com hora marcada.

Diria que 90% ou mais de minhas amigas tiveram hora certa para parir, inclusive eu, que, mesmo desejando um parto normal, não contei com a ajuda da natureza. Faltavam-me dilatação, contração, espaço na bacia estreita etc. etc. Não valeria a pena insistir. Provavelmente, elas até nasceriam, mas num processo longo e sofrido. Nasceram não no dia que escolhi, mas no momento certo que deveriam vir ao mundo. Atualmente, vejo que há muitas escolhas, até mesmo em função do mapa astral, como o filho de uma amiga, nascido em 9.9.1999 às 9h. Coincidência? Não, apenas a escolha dos pais, já que a data estaria dentro do prazo permitido.

Hoje, além de registrarem cada momento de seus bebês com fotos – e estas muitas vezes publicadas instantaneamente no mundo virtual –, descubro que as novas mães dispõem de outros confortos tecnológicos. Outro dia fui visitar uma amiga e sua recém-nascida, que dormia no quarto. Enquanto tomávamos café na sala, um aparelhinho no canto da mesa, do tamanho de um mini-iPad, nos mostrava o bebê no berço, dormindo o sono dos anjos, enquanto a mãe, com cara de encantada, a guardava. Qualquer soluço era transmitido com a imagem. Lembro que, na minha época de “mãe de bebês”, existiam aparelhos que transmitiam apenas o som do choro. Eram as babás eletrônicas, bem menos sofisticadas. E, no tempo de minha mãe, para ouvir o choro que vinha de longe, eram necessários atenção e ouvidos aguçados. “Corre, que o bebê tá chorando!!!”

O pior é quando o bebê não chora. Principalmente à noite e de madrugada. Vejo que, mesmo com toda a tecnologia de hoje, as mães atuais são iguaizinhas às de ontem. Não conheço uma que nunca tenha acordado assustada com o silêncio de seu bebê. E, aflita, tenha ido lá conferir e dar uma sacudidinha de leve para ver se ele respirava. Coisas de mães de bebês...

Prejudicados mesmo são os bebês seguintes. Normalmente, herdam as roupas e os brinquedinhos semidestruídos dos mais velhos, não têm direito a tantas fotos e, pior de tudo, usufruem de bicos não fervidos. Sim, porque bico de primogênito, quando cai no chão, é um problema. Dez minutos de fervura na água filtrada, para dar tempo de matar germes e bichinhos invisíveis que, naturalmente, viram monstros na cabeça da mãe. Já com os bicos dos bebês seguintes, basta uma sacudida embaixo da água da pia, e pronto. “Tá limpo!” Felizmente, as mães de uma segunda gestação descobrem que bico no chão não mata. E muito menos aquela febre de 38°C, causada pelo primeiro dentinho. Aquela que costuma deixar o pediatra mais preocupado com a mãe em prantos do que com o bebê em si.

Enfim, diria que hoje, com o avanço da tecnologia, as coisas mudaram. Podemos conhecer com muita antecedência o sexo do bebê – o que acho ótimo. Podemos optar pela melhor data para ele nascer. E, se quisermos, após ele vir ao mundo, podemos divulgá-lo a todo o planeta em questão de segundos.

Só espero, sinceramente, que jamais nos seja permitido escolher o sexo de nossos filhos. Isso, sim, seria o fim do mundo!