Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

Cruzeiro no meio de um tsunami

Publicado em: Dom, 19/01/20 - 03h00
Não estou aqui para questionar dívidas, contratos mirabolantes e dilapidações ocorridas ao longo dos anos, mas sim para me solidarizar com a torcida do Cruzeiro, que em 2021 comemorará seu centenário.
 
Anos atrás, a loucura futebolística me atingiu em cheio, iniciada nos meus 14 anos e só finalizada há pouco mais de dez. Hoje, sinto-me desprendida daquele excesso de arrebatamento, em que o passional normalmente se sobrepunha ao racional – assim como ocorre com os apaixonados que acordam e dormem pensando na razão de sua paixão. Para eles, os defeitos não existem, enquanto as qualidades são exacerbadas. O apaixonado não pensa, ele sonha. Na sua imaginação, costuma navegar por mares de águas límpidas e tranquilas, mal se dando conta de que aquela calmaria toda poderá um dia se transformar num tsunami, levando embora tudo de bom que idealizou.
 
Pois bem. No Cruzeiro, o tsunami chegou. Para quem “comandava” a nau, provavelmente ele já era esperado, mesmo assim deixaram-na navegar ao leu. Já os passageiros – milhões de apaixonados – foram surpreendidos no meio do caos que se criou. E, assustados, tentam se agarrar aos mastros, às poucas boias de salvação, oferecendo até a alma para voltarem ao prumo, mal se apercebendo de que os verdadeiros comandantes são eles e que somente eles, unidos, poderão manejar o leme de volta à normalidade.
 
Porém, o preço a pagar é alto. Apesar de todo empenho e vontade da nova direção, tormentas e águas revoltas ainda continuarão no percurso, tornando-se até necessárias, já que, para se levantar, antes é preciso cair.
 
Já fui muito apaixonada, chegando ao ponto de culpar o Atlético por minha bomba escolar. Quando estudante, na minha cabeça não entravam matemática, nem física, nem química, nem nada. Só entravam Reinaldo, Cerezo, Paulo Isidoro e João Leite, entre outros, tabelas, pontuações, torcidas (fui uma das fundadoras da MAO – Máfia Atleticana Organizada), Bitoque, Charanga do Júlio, Kafunga (com o seu “não tem coré, coré”); tristezas ou alegrias ao extremo. Cheguei a ter uma repentina febre, que me derrubou durante três dias, seguida de falta de apetite, apatia e crises de choro, consequência de uma fatídica decisão no dia 5 de março de 1978, contra o São Paulo. Atleticana doente, no sentido literal da palavra, eu somatizava tudo.
 
É por isso que, hoje, mais racional, me solidarizo com os apaixonados pelo Cruzeiro. Eu me coloco no lugar deles, sei perfeitamente o que estão passando, e, sinceramente, é duro. Não pelo fato de o time ir para a Segunda Divisão – isso é besteira. A meu ver, é até bom, ganham tempo para pôr ordem na casa e fazer a necessária faxina. Muitos dos grandes times do Brasil já passaram por isso e saíram fortalecidos.
 
Lembro-me de quando o Galo foi para a Série B e eu vivia feliz, o Mineirão vivia cheio, e a torcida vivia entusiasmada com tantas vitórias. O problema não é a Segunda Divisão – esse, dos males, é o menor. O problema é recuperar o que foi perdido nesse tsunami, recuperar as finanças e um bom plantel, mas, principalmente, a esperança de uma torcida numerosa e apaixonada que, sinceramente, não merecia isso.