LAURA MEDIOLI

Fotografias, troços e trecos

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 05 de novembro de 2017 | 04:30
 
 
Hélvio

Poder viajar nos feriados é ótimo, mas ficar em casa colocando as coisas em ordem também é muito bom. Ter tempo para arrumar aquela última prateleira de um armário repleto de entulhos, apesar de quase nos fazer despencar do alto da cadeira, é delicioso. É como entrar num túnel do tempo, redescobrindo tralhas passadas, caixinhas diversas, antigos cartões, fotos de colegial, pedaços de bijuterias que, sabe-se lá por quê, foram guardados, botões coloridos e outras bugigangas que sobreviveram aos anos, talvez na esperança de que um dia servissem para alguma coisa.

Hoje, não guardo mais nada, passo tudo adiante, a não ser o que tem valor sentimental, como o tênis furadinho no lugar dos dedos com o qual minha filha mais velha aprendeu a dar os primeiros passos, ou a camisetinha surrada onde está escrito “Obrigado, papai, já nasci atleticano”, mesmo que a proprietária, já adulta, tenha virado cruzeirense.

Fotografias, guardo todas; são caixas e mais caixas. Das minhas filhas, tem fotos desde antes de nascerem. No fundo, é um complexo por eu ter tido pouquíssimas quando menina. Descobri nas caixas de minha mãe uma única fotografia desbotada em sépia de uma neném que, segundo ela, sou eu, embora não esteja segura disso. Sei não, mas, pelo jeito da foto, trata-se dela própria: minha mãe.

Com 6 ou 7 anos, algumas poucas imagens deixando à mostra minhas pernas finas e um sorriso sem dentes. Acho que nunca vou poder mostrar minhas fotos de criança e falar: “Olha como eu era bonitinha!”. Magrelinha, desdentada... E, para piorar, abraçada a um pastor-alemão meio perebento com quase o dobro do meu tamanho.

Depois, lembranças da primeira comunhão, tiradas por um fotógrafo da escola em que passei da fase sem dentes para a fase dos dentões. Já repararam como os incisivos em crianças de 10 anos sobressaem? Os meus sobressaíam tanto que, com 12, fui obrigada a metalizar meu sorriso. Se já era tímida, virei um bichinho do mato. “Olha o passarinho!!!”, gritava alguém. E eu logo tratava de procurar formigas no chão.

Como se não bastasse, apesar dos pouquíssimos retratos, ainda fiz “mutilações” horríveis, “extraindo” os dentões das fotos. Uma pena...

Enfim, foram essas as fotografias que me restaram da infância.

Meus pais foram excepcionais em muitas coisas, mas um desastre no quesito “recordações fotográficas”. Nunca ligaram pra isso. Acho que nem tinham máquina. As fotos dos meus irmãos quando bebês foram tiradas por um tio-avô, num longínquo domingo qualquer. Bem que ele poderia ter tirado algumas minhas. Mas, segundo minha mãe, ele morreu antes que eu nascesse.

Voltando ao assunto inicial, lembro-me do meu irmão Cristiano, que, quando menino, tinha mania de guardar coisas. Debaixo de sua cama, escondia uma misteriosa mala de madeira, trancada a sete chaves, cujos segredos fomos desvendando aos poucos. Se precisássemos de um toco de vela, um barbante, um prego enferrujado, rolhas, uma pena de galinha, parafusos, uma tampa de garrafa, um ninho de passarinho ou qualquer tipo de bugiganga, encontraríamos em sua mala. Descobrimos, assim, que não só para ele, mas também para nós, aquela mala gigantesca tinha um grande valor.

Certa vez, quando meu pai resolveu fazer uma obra próximo a nossa capela, fomos surpreendidos por um achado inusitado. Debaixo da terra, numa enferrujadíssima lata de sorvete Kibon, um verdadeiro tesouro. Seu dono? Não foi difícil descobrir. Quem, a não ser meu irmão Cristiano, seria capaz de colocar um monte de moedas dentro de uma lata e enterrá-la no jardim? Ainda hoje nos divertimos com essa história.

Herdei de minha mãe a mania de caixas. Tenho caixas para tudo: fotos, cartões, postais, bilhetes amorosos escritos pelas filhas e pelo marido, selos antigos, bijuterias, remédios, maquiagem, recortes de jornal... Eu as adoro, embora já comecem a me causar problemas.

Costumo passar adiante roupas, sapatos e objetos que não uso. Na próxima leva, um bocado de caixas irá junto. Na vida, temos que ser práticos. Entulhos e determinadas coisas do passado nem sempre devem ser guardados. Descubro que limpar armários, muitas vezes, é limpar a mente.