Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

Hora de mudar

Publicado em: Dom, 12/08/18 - 04h00

Dia desses, uma leitora, incomodada com a foto da minha coluna, questionou-me se já não estava na hora de trocá-la, afinal, o tempo passou, e a fotinha continuava lá, provavelmente, diferente da minha fisionomia atual.

Li aquilo e fui ver a dita, que, para mim, era como se já fizesse parte da paisagem. Durante quase cinco anos, a mesma, e eu nem me tocava que já era hora de renová-la. Levando numa boa o comentário da leitora, chamei minha secretária e decidi resolver o problema.

– Pega o celular aí e tire umas fotos pra mim! – disse-lhe.

E foi o que ela fez. Entre risos, caras e bocas, nos divertimos com a sessão de fotografias. De pé, sentada, atrás da mesa... Até que lembrei que foto de coluna é apenas um quadradinho focando o rosto e um pouco do colo. E teria de ser com o fundo branco. E lá fui eu pra parede.

Separei algumas e as enviei ao setor de fotografia do jornal, onde deveriam ser tratadas. Ao lado do Cristiano, responsável pelo tratamento, decidi qual seria a nova cara que ocuparia minha coluna. 

– Epa!!! – disse ao Cris. – Tirar uma manchinha ou outra, tudo bem, mas deixe as ruguinhas aí, ok? Nada de Phothoshop, não quero que ninguém a questione depois. Também a foto é tão pequena que os detalhes mal aparecem, ainda mais quando tirada do celular, que praticamente dispensa “photoshopadas”.

Há 13 anos, quando comecei a escrever neste jornal, as franjas emolduravam o rosto desta coluna. E, por muitos anos, assim ficou.

Lembro-me de quando, no início do namoro com meu marido, há trocentos anos, eu tinha um cabelo enorme, descendo pelas costas. Pequena e magrinha, eu sumia em meio à cabeleira, mas achava lindo. Até que resolvi aproveitar a lua crescente para aparar as pontas.

Entrei num salão, onde um renomado cabeleireiro me descobriu; a mim e ao meu cabelão. “Uau!”, deve ter pensado, “encontrei o que queria!”. Vendo sua empolgação, tentei explicar o que EU queria, mas pelo jeito minha opinião era completamente dispensável. Tímida e meio ingênua, aceitei virar a cadeira de costas para o espelho – o novo visual seria surpresa. Ok, virei e fiquei aguardando, observando a tesoura funcionar a todo vapor, igual a um aparador de grama na minha cabeça. Tchec-tchec! E lá se vai o cabelão. Só me dei conta do estrago quando resolvi olhar para o chão. 

– Mas... Mas... Ei! O que você está fazendo? 

– Calma, menina! Seu rosto é muito feminino, vai ficar lindo!

Depois de infindáveis tchec-tchec, ele, com cara de encantado, desvirando minha cadeira, anunciou em tom triunfal a sua “obra-prima”: eu e meu ex-cabelo! Acabara de descobrir que me restaram apenas umas coisinhas espetadas rentes à cabeça, com uma franjinha repicada dando o ar da graça. 

Devo ter sido a primeira no Brasil a usar o corte “joãozinho”, que alguns anos depois acabou ditando a moda. Nunca, nem em revistas europeias de vanguarda, tinha visto coisa parecida, era eu e eu. Uma amiga veio se encontrar comigo. Depois de finalmente me reconhecer, teve uma crise de riso, pedia desculpas e ria, desculpas e ria, e ria. Na mesma proporção que eu chorava, chorava e chorava. 

Vittorio me ligou, dizendo que a mãe chegara da Itália e que iríamos jantar juntos. Já a conhecia, mas não como nora. Dessa vez nos veríamos com outros olhos. E agora? Como explicar esse meu visual pra lá de irreverente? Numa época em que as mulheres, principalmente as jovens, como era o meu caso, usavam os cabelos na cintura? E se ela achasse que eu tive um surto de piolhos? Socooorro! 

Vittorio, para agradar, disse que eu estava bem, e minha sogra, com cara de espanto, comentou que meus olhos eram “bellissimi”. Então, tá.

Com o tempo, comecei a curtir o “joãozinho”, tanto que anos depois me casei com ele. Hoje, já não uso franjas com cabelos espetados. E, se usasse, não me importaria. A maturidade nos torna menos preocupadas com o que as pessoas pensam ou deixam de pensar. Não gostou? Paciência! Eu adorei!

E nada mais bonito e autêntico do que as mulheres que, após tratamentos quimioterápicos, expõem com naturalidade suas cabeças reluzentes e lindas como a força que carregam dentro de si.

Enfim, uma nova foto. Daqui a dois ou três anos, troco de novo.