LAURA MEDIOLI

Inversão de valores

'Deseja que as pessoas que tenham encontrado algum animal perdido tenham a hombridade de devolvê-lo'

Por Laura Medioli
Publicado em 19 de junho de 2021 | 03:00
 
 
Hélvio

 
Uma leitora me escreve, relatando em pormenores a história de seu cãozinho labrador – paixão da filha adolescente que acabou conquistando toda a família. Conta que, na noite em que viajava, recebeu um telefonema desesperado do marido: 
 
– O Logan sumiu! 
 
Bastou isso para que ela “somatizasse” uma febre de 39 graus e uma angústia que parecia não ter fim. O cachorrinho, desordeiro como todos os filhotes de labradores, fazia uma falta enorme, e a casa, incrivelmente ordenada, já não era a mesma. 
 
Saíram em busca do pequeno Logan até descobrirem o garoto que o havia encontrado. Segundo ele, com o cachorrinho nas mãos, andou de casa em casa perguntando se pertencia a alguém. Até que, em uma das casas, a proprietária afirmou ser a sua “dona”. De posse do endereço, ouvindo ao longe os latidinhos tão conhecidos, minha leitora contatou uma das familiares da “usurpadora”, que se prontificou a devolvê-lo. 
 
Mas o tempo passou, e minha leitora, a quem chamarei de Ana, ouviu, na caradura, que o cachorrinho havia fugido. E ela sabe, perfeitamente, que essa história está muito mal contada. 
 
Foi à polícia, que nada fez para resolver a questão. Triste e indignada ao mesmo tempo, Ana deseja que seu filhote “continue alegre, sorrateiro, roubando o pão do cesto. Que passe a pata na geladeira para pedir iogurte e que se esbalde com melancia, sua fruta predileta”. Deseja que as pessoas que tenham encontrado algum animal perdido tenham a hombridade de devolvê-lo. Conclui que “o ser humano esqueceu que índole ainda existe. E que as pessoas deveriam saber que apropriação indébita é crime”. E finaliza contando que as lágrimas teimam em cair enquanto digita, pois o grande companheiro de quatro patas não está lá tentando arrancar o cadarço de seu tênis. 
 
Casos assim me deixam perplexa. A cada dia, os valores vão se perdendo, e a remota chance de encontrar luz no fim do túnel desanima. É a “lei” do mais esperto ditando as regras. Novelas recheadas de mau-caratismos e maus exemplos que, naturalmente, são absorvidos pela juventude em formação.  
 
Políticos, que deveriam dar exemplos de transparência e probidade, nos fazem passar vergonha. A ambição que entorpece e rasga princípios. Um escândalo se sobrepondo ao outro até as pessoas já não mais se indignarem e acharem que “é assim mesmo, fazer o quê?”. É a “lei” dos amorais impondo as regras. 
 
Lembro-me de um fato ocorrido com a filha de uma amiga, que, ao dar ré, bateu levemente no carro de trás. Diz-me que o amassadinho minúsculo só se enxergava de perto. Mesmo assim, fez o que sua consciência mandou: deixou um bilhetinho com nome e telefone no para-brisa do veículo, pois gostaria de sanar o prejuízo por mais insignificante que fosse. Pois bem, o proprietário apareceu com uma conta estratosférica. O “amassadinho” quase vira um para-choque inteiro, com porta-malas e tudo.  
 
Embora decepcionada com os fatos que vivencia no seu dia a dia, ela não desiste, sabe que a honestidade e a retidão de caráter são seus maiores patrimônios. E, como diz o matuto, “os honestos que se cuidem, pois o mundo está mesmo perdido!”. É a “lei” dos homens menosprezando as leis de Deus.