Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

L’amour

Publicado em: Dom, 04/12/16 - 03h30

Menina! Nem te conto...

E assim iniciava a sessão “intrigas”, sem direito a réplicas e tréplicas, já que ela, na posição de paciente, perante a outra, dentista, era obrigada a ouvir de boca fechada, ou melhor, de boca aberta. Ali não escapulia nada nem ninguém. Numa dessas, de boca abertíssima, após ouvir sobre aquilo que aconteceu com “aquela”, pensou lá com seus botões: “Do jeito que fala da fulana, claro, eu também devo ser prato cheio”.

Arrependeu-se de ter contado sobre sua última “levantada de moral” via bisturi (em 17 prestações) e sobre aquele cara incrível que há dois meses conheceu na fila da padaria. Tudo bem que usava três brincos, um alfinete no nariz e roupas esquisitíssimas, mas sei lá, de repente, tinha tudo a ver com seu astral do dia. Chegou à conclusão de que seres opostos não necessariamente se atraem, mas acabam despertando alguma coisa. E o cara da padaria, por sinal seu vizinho, a havia despertado. Talvez fosse por seus olhos incrivelmente negros, em contraste com a pele incrivelmente branca. Ou quem sabe aquele seu “ar de poeta de antigamente”, que, em fração de segundo, conseguiu captar. Foi até lá para comprar cigarro e acabou ouvindo uma quase palestra sobre os males do fumo. Nessa hora, pensou em como as aparências realmente enganam: o vizinho tinha pinta de maluco, e era um caretão, e ela, com aquela cara de normalzinha, era nada mais, nada menos do que uma fumante inveterada, uma estressada que, na maioria das vezes, perdia as rédeas da situação e, para esquecer, enchia a cara quando o bicho pegava. Enfim, prato cheio para analista nenhum botar defeito. Louquinha para dar uns tragos, de repente se viu ali, apertando o Carlton na mão, com um raro prazer de destruir sua tentação.

Saíram quase amigos. Vizinho novo, só conhecia a padaria. Sob sua orientação, de lá seguiram para a locadora de vídeos, onde, encantados, descobriram ter os mesmos gostos. Claro, jamais diria que, além “daqueles”, incluiria na sua lista “O Exterminador do Futuro” e a trilogia “Duro de Matar 1, 2 e 3”. Non, non. “Jamé”!, como diria sua amiga Lorrance.

No caminho, descobriu algumas “cositas” interessantes, tipo: profissão: “professor de massagens ayurvédicas e reflexologia podal”. Claro, “jamé” também perguntaria que “diabo era isso”, mas, seja lá o que for, adorou o “massagens”. Do vídeo, seguiram à homeopatia, onde uns florais antiestresse, e possivelmente antifumo, a aguardavam. Uau! Ele era expert no assunto. Mal a conhecia e já estava preocupado com sua saúde. E incrível: como que em tão pouco tempo sacou seu emocional naturalmente conturbado, para não dizer bagunçadíssimo?

Depois... bom, depois voltaram para casa, ela pro 102, e ele pro 304, antes combinando um japonês a três esquinas adiante. Deus! O vizinho estava começando a se encaixar... Hum... Arriscaria dizer que era o seu número!

Até que, deitada numa cadeira dura de dentista, rememorando essa história e arrependida por tê-la contado em detalhes, ouviu: “Credo! Mas seus dentes estão horríveis! Amarelados... Manchados. É o cigarro, sabia?”

Putz! Ela lá pensando no seu poeta de antigamente, e a outra vem com essa, numa de baixo-astral, tipo “você está horrível e coisa e tal”. Mas aí não se deu por vencida e, nessa hora, de boca aberta, disse em alto e bom som: “Parei de fumar!”

E a outra, com aquela cara de espanto: “Ah... é? Como assim?”

– L’amour, querida, l’amour! – como diria a sua amiga Lorrance.