Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

Ladrão, não delete o João!

Publicado em: Dom, 31/03/19 - 04h30

Indignada com o misterioso sumiço do celular no tumulto do bar, liga para ele, naquela expectativa de que ainda haja esperanças.

– Alô? Quem está falando? – e uma voz masculina e meio rouca responde:

– É o ladrão.

Claro que por essa, assim, na lata, ela não esperava.

– Escuta aqui, seu, seu salafrário, ladrão de galinhas, batedor de carteira, gatuno, larápio, cleptomaníaco de uma figa...

– Acabou? – interrompe a voz do outro lado. Posso desligar?

– Não. Espere aí. Não desliga, não. Quem é que está falando?

– Já lhe disse. Sou eu, o ladrão.

– Cara, não faz isso comigo...

– Fica fria, talvez um dia eu o devolva... Quando as coisas melhorarem pro meu lado... Agora, me dá licença...

– Espere! – grita ela, já no desespero. Você tem ideia do que esse celular significa para mim? Em quantas suadas prestações eu o paguei? Minha agenda, minhas fotos... As fotos! Pelo amor de Deus, NÃO DELETE AS MINHAS FOTOS! Você não imagina o que elas significam...

– Você é bonita.

– O quê? Como sabe que sou eu? E quem te autorizou a...

– Um casal abraçado a um palmo da câmera só pode ser quem tirou a foto, estou certo?

– Não delete!!!

– E o cara? O “gostosão” de blusa preta?

– NÃÃÃO! Deixa ele aí! Please!

– Ah! Já entendi.

– Escuta, vamos ser razoáveis. Quanto você quer para eu ter meu celular de volta? Posso trocá-lo por um relógio, um iPod, sei lá, qualquer coisa... – resmunga, já com a voz embargada.

– Calma, menina! Não disse que um dia eu devolvo? Dá um tempo, pô! E, agora, me dá licença...

– Eu vou denunciá-lo. É isso. Vou pedir à companhia para bloquear a linha.

– Tudo bem, um novo chip não deve ser caro...

– Escuta. Uma pessoa... um... bom, alguém vai me ligar aí nesse número. E é muito importante que você atenda, quer dizer, atenda e dê o meu outro número, o de casa, esse que está aí no visor, está me entendendo?

– Em outras palavras: o “gostosão” da blusa preta deve ligar, e o celular é sua única possibilidade de falar com o sujeito, é isso?

– Sim, é isso! Outra coisa, quando ele ligar, pelo amooooor de Deus, anote o número.

– Que número? Você já está pedindo demais...

– O número dele, criatura! Pelo amoooor de Deus...

– Putz grila!!! Eu mereço!!!

– Como?

– Nada. Agora, me dá licença...

E no dia seguinte.

– E aí? O João ligou?

– Hum, então ele se chama João? Não. Que eu atendesse, não, mas ligou uma tal de Ana Amélia querendo confirmar a consulta...

– Nossa mãe! Esqueci completamente.

– Eu disse que você retornaria a ligação. Sabe como é, né? Com saúde a gente não brinca...

– Escuta aqui, ô seu, seu...

– Ladrão.

– Isso! Desgraçado, salafrário, gatuno, cleptomaníaco de uma figa...

– Você já me disse isso antes. Posso desligar agora?

– Não, espere! Eu, eu ligo mais tarde. E, por favor, compre um carregador, não deixe a bateria descarregar.

– Isso é que é paixão, hein? Quer saber? Gostei de você e vou ser sincero. Homem não gosta de mulher pegando no pé. Você é muito ansiosa. Pega leve, menina! Desse jeito, acaba espantando o sujeito.

– Quem é você para me dar conselhos?

– Um ladrão honesto, gente boa, que saca dessas coisas, sabe como?

– Não, não sei. E passar bem, seu... seu...

E, no outro dia, já tarde da noite...

– Carol?

– Ele ligou? Fala logo, ele ligou?

– Não, mas passou uma mensagem...

– Dizendo o quê? Pelo amooor de Deus!

– Calma, anotei aqui no papel. “Tive que viajar, depois ligo. João”.

– Só isso? Não falou mais nada?

– Eu não disse? Homem é assim mesmo. É pegar no pé, e ele dá um jeito de escapulir...

– Nem um beijo? Nada?

– Hum... Hum... Nadinha. O cara é um idiota. Uma gata dando em cima, e ele inventa que viajou. Ai, ai. Deus não dá asa a cobra.

– Você acha que eu... que nós, mulheres...

– Acho. Vocês fazem tudo errado.

– É? E o que eu deveria fazer? Dar uma de gostosa? Que não está nem aí? E vê-lo sumir atrás de outra oferecida?

– Exatamente.

– Tá bom. Agora, me faça um favor, responda a mensagem: “Te aguardo. Um beijo, saudades, Carol”.

– Tsc, tsc... Pelo jeito, você não entendeu nada! Quer saber? Não vou responder droga nenhuma. Aliás, deixa comigo. O “gostosão” vai ter a resposta que merece...

– NÃO! Esquece. Não responda. E me passe o número da chamada.

– Pra você fazer besteira? Ligar pro cara, a essa hora da noite, perguntando onde ele está? Hum, hum. Desista! Agora, me dá licença, vou dormir. Só mais uma coisinha: lembrou de ligar pra médica?

(Continua na próxima semana...)