Indignada com o misterioso sumiço do celular no tumulto do bar, liga para ele, naquela expectativa de que ainda haja esperanças.
– Alô? Quem está falando? – e uma voz masculina e meio rouca responde:
– É o ladrão.
Claro que por essa, assim, na lata, ela não esperava.
– Escuta aqui, seu, seu salafrário, ladrão de galinhas, batedor de carteira, gatuno, larápio, cleptomaníaco de uma figa...
– Acabou? – interrompe a voz do outro lado. Posso desligar?
– Não. Espere aí. Não desliga, não. Quem é que está falando?
– Já lhe disse. Sou eu, o ladrão.
– Cara, não faz isso comigo...
– Fica fria, talvez um dia eu o devolva... Quando as coisas melhorarem pro meu lado... Agora, me dá licença...
– Espere! – grita ela, já no desespero. Você tem ideia do que esse celular significa para mim? Em quantas suadas prestações eu o paguei? Minha agenda, minhas fotos... As fotos! Pelo amor de Deus, NÃO DELETE AS MINHAS FOTOS! Você não imagina o que elas significam...
– Você é bonita.
– O quê? Como sabe que sou eu? E quem te autorizou a...
– Um casal abraçado a um palmo da câmera só pode ser quem tirou a foto, estou certo?
– Não delete!!!
– E o cara? O “gostosão” de blusa preta?
– NÃÃÃO! Deixa ele aí! Please!
– Ah! Já entendi.
– Escuta, vamos ser razoáveis. Quanto você quer para eu ter meu celular de volta? Posso trocá-lo por um relógio, um iPod, sei lá, qualquer coisa... – resmunga, já com a voz embargada.
– Calma, menina! Não disse que um dia eu devolvo? Dá um tempo, pô! E, agora, me dá licença...
– Eu vou denunciá-lo. É isso. Vou pedir à companhia para bloquear a linha.
– Tudo bem, um novo chip não deve ser caro...
– Escuta. Uma pessoa... um... bom, alguém vai me ligar aí nesse número. E é muito importante que você atenda, quer dizer, atenda e dê o meu outro número, o de casa, esse que está aí no visor, está me entendendo?
– Em outras palavras: o “gostosão” da blusa preta deve ligar, e o celular é sua única possibilidade de falar com o sujeito, é isso?
– Sim, é isso! Outra coisa, quando ele ligar, pelo amooooor de Deus, anote o número.
– Que número? Você já está pedindo demais...
– O número dele, criatura! Pelo amoooor de Deus...
– Putz grila!!! Eu mereço!!!
– Como?
– Nada. Agora, me dá licença...
E no dia seguinte.
– E aí? O João ligou?
– Hum, então ele se chama João? Não. Que eu atendesse, não, mas ligou uma tal de Ana Amélia querendo confirmar a consulta...
– Nossa mãe! Esqueci completamente.
– Eu disse que você retornaria a ligação. Sabe como é, né? Com saúde a gente não brinca...
– Escuta aqui, ô seu, seu...
– Ladrão.
– Isso! Desgraçado, salafrário, gatuno, cleptomaníaco de uma figa...
– Você já me disse isso antes. Posso desligar agora?
– Não, espere! Eu, eu ligo mais tarde. E, por favor, compre um carregador, não deixe a bateria descarregar.
– Isso é que é paixão, hein? Quer saber? Gostei de você e vou ser sincero. Homem não gosta de mulher pegando no pé. Você é muito ansiosa. Pega leve, menina! Desse jeito, acaba espantando o sujeito.
– Quem é você para me dar conselhos?
– Um ladrão honesto, gente boa, que saca dessas coisas, sabe como?
– Não, não sei. E passar bem, seu... seu...
E, no outro dia, já tarde da noite...
– Carol?
– Ele ligou? Fala logo, ele ligou?
– Não, mas passou uma mensagem...
– Dizendo o quê? Pelo amooor de Deus!
– Calma, anotei aqui no papel. “Tive que viajar, depois ligo. João”.
– Só isso? Não falou mais nada?
– Eu não disse? Homem é assim mesmo. É pegar no pé, e ele dá um jeito de escapulir...
– Nem um beijo? Nada?
– Hum... Hum... Nadinha. O cara é um idiota. Uma gata dando em cima, e ele inventa que viajou. Ai, ai. Deus não dá asa a cobra.
– Você acha que eu... que nós, mulheres...
– Acho. Vocês fazem tudo errado.
– É? E o que eu deveria fazer? Dar uma de gostosa? Que não está nem aí? E vê-lo sumir atrás de outra oferecida?
– Exatamente.
– Tá bom. Agora, me faça um favor, responda a mensagem: “Te aguardo. Um beijo, saudades, Carol”.
– Tsc, tsc... Pelo jeito, você não entendeu nada! Quer saber? Não vou responder droga nenhuma. Aliás, deixa comigo. O “gostosão” vai ter a resposta que merece...
– NÃO! Esquece. Não responda. E me passe o número da chamada.
– Pra você fazer besteira? Ligar pro cara, a essa hora da noite, perguntando onde ele está? Hum, hum. Desista! Agora, me dá licença, vou dormir. Só mais uma coisinha: lembrou de ligar pra médica?
(Continua na próxima semana...)
Laura Medioli
LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br
Ladrão, não delete o João!
Publicado em: Dom, 31/03/19 - 04h30