LAURA MEDIOLI

Nos bastidores

'Telefone de redação é uma coisa surpreendente. Dá de tudo'

Por Laura Medioli
Publicado em 10 de abril de 2021 | 03:00
 
 
Hélvio

No último dia 7, comemoramos o Dia do Jornalista. Não me formei em jornalismo, mas acabei me tornando refém, prazerosamente, do dia a dia de uma empresa jornalística que vi nascer e crescer: a Sempre Editora, responsável pelos jornais diários O TEMPO e Super Notícia.

Circulando diariamente pelos diversos setores, procurava manter-me informada, escutando e trabalhando próximo aos profissionais que têm competência para geri-lo sem intervenções. E foi por minha proximidade com os inúmeros segmentos que resolvi contar um pouco dos bastidores, onde as coisas muitas vezes acontecem.

O trabalho em um jornal é o que há de mais dinâmico e atraente. Quem está do lado de fora não imagina sua complexidade. Mas não estou aqui para falar de complexidades, apenas contar casos, na maioria divertidos, que ocorreram e ocorrem do lado de dentro.

Começarei do início (desculpem o pleonasmo), quando, na noite de 21 de novembro de 1996, aguardávamos ansiosos a vinda do número 1. Redação sob forte expectativa, focas (recém-formados) misturados a experientes e gabaritados profissionais e aquela sensação gostosa da espera do primeiro filho. Champanhe na geladeira aguardando o fechamento. Tudo pronto, não fosse o pobre coitado redator de esportes, que, por aqueles azares da vida, cobrira um importante jogo no Mineirão, com direito a prorrogações e pênaltis. Já passava da meia-noite.

Como concluir uma matéria sob tantas expectativas? Sabendo que o estouro do champanhe estava em suas mãos? E todos em cima, olhando de soslaio o movimento contínuo e angustiado dos dedos no teclado de um jovem redator, que, apesar da tensão, teria de cumprir seu papel, passando para o computador com a mais absoluta fidelidade os momentos vivenciados no estádio. E foi nesse dia que descobri o estresse que paira numa redação, onde se trabalha dentro de prazos que devem ser seguidos à risca, antes que o chefe começasse a gritar lá na frente. “Deadline! Deadline!” Ou seja: “Se virem! Acabou o tempo”.

Se há demora num setor, consequentemente haverá em todos os outros, e o leitor, nosso maior interessado, receberá seu jornal com atraso, o que definitivamente não nos interessa.

Não me lembro da hora em que estouramos o champanhe, mas me lembro da festa quando o redator de esportes, finalmente, concluiu sua matéria.

Nos primeiros anos de circulação, contávamos em nossas páginas com nomes consagrados, como o poeta Tiago de Melo, Adélia Prado, Lucas Mendes, entre outros. E foi um desses “entre outros” que certo dia ligou para o jornal.

– Boa tarde, eu gostaria de falar com o editor de cultura.

– Pois não, quem deseja falar?

–É o Paulo Francis.

E a atendente:

– Ah é? Conta outra! – E TUM! na cara dele.

Depois, foi contar à colega:

– Ligou um cara de pau aqui falando...

O telefone toca novamente, e ela, há apenas três dias no jornal, já com os devidos esclarecimentos e as devidas reprimendas, sai correndo para chamar o editor de cultura, afinal, Paulo Francis – direto de Nova York – não poderia mais esperar.

Telefone de redação é uma coisa surpreendente. Dá de tudo: gente que liga querendo informações, fazer algum tipo de denúncia, elogiar, saber de matérias antigas, passar “furos”, vender seu peixe, perfeccionistas reclamando da vírgula no lugar do ponto e vírgula, e muita, muita gente doida.

Há algum tempo, ligou um sujeito para a redação.

– Escuta aqui, senhorita, caminhão tem asas?

– Como, senhor?

– Eu estou perguntando se caminhão tem asas, porque vocês colocaram na capa do jornal a notícia de que um caminhão saiu da estrada e “sobrevoou” uma casa...

– ...

– E o Aurélio? Cadê o Aurélio?

– O Aurélio saiu pro almoço...

– Ô sua ignorante! Eu estou falando é do dicionário! –  E TUM! na cara dela.

Em estado de choque, a repórter aguardou a chegada do Aurélio. Não do dicionário, mas do editor do caderno de cidades, que, coincidentemente, tinha esse mesmo nome.

E desde então nunca mais os caminhões “sobrevoaram casas” nas páginas de nossos jornais.

E já que o assunto é telefonema...

–Alô! Eu gostaria de falar com a Oriana (editora de arte da época).

– Fala aí, ô babaca!

– Como?

– Anda! Desembucha!

– Quem é que está falando?

– É o Jesus! – e para completar – Jesus Cristo!!!

– Escuta, aqui é o fulano. Eu gostaria de falar com a Oriana! Poderia chamá-la, por favor?

Detalhe: o fulano era o diretor da empresa, e Jesus, o paginador, que, confundindo a voz do outro com a de um colega, conseguiu duas proezas: chamou o chefe de babaca e se autodenominou Jesus. O Cristo, diga-se de passagem.

No início, antes de se firmar, um jornal geralmente tem que correr atrás das notícias; depois, já consolidado, as notícias costumam “subir as escadas” da redação. Muitas vezes, “em off”.

Comecei a escrever sobre isso porque me vieram à cabeça algumas “notícias” quentes que subiram nossas escadas, muitas vezes sob forma de “exclusivas”, ou seja, apenas para as nossas páginas.

Adorava quando a Edna, nossa mais querida e competente auxiliar da redação, ligava na minha sala: “Laurinha! Adivinha QUEM está chegando???” Políticos renomados, atores globais, jogadores... ela dava notícia de tudo.

Uma que subiu as escadas, e eu, de curiosa, subi atrás, foi a mulher de “dois milhões de dólares”. Faríamos um furo de reportagem com a sua história. A mineira que “endoideceu” um xeique árabe e que, apaixonado, presenteou-a com um triplex básico, joias, carrão e coisas do tipo. A matéria já estava pronta, até ela chegar ao jornal pedindo para não a expor. Temia ser alvo de sequestro. Sensíveis ao seu pedido, retiramos a pauta. E assim lá se foi nossa história de amor das Arábias! Em compensação, não havia no jornal quem não quisesse vê-la de perto, ver o que a mineira tinha para enlouquecer o homem. Bonita, magrinha... mas nada que despertasse tamanha ebulição.

Certa tarde, a Edna me avisou: “LAU-RIIINHA!!! Você perdeu!”

– Quem foi dessa vez?

– O Éder, lembra dele? O do Galo! Nossa, ele está um gato!

Claro que eu me lembrava dele e pensei que realmente havia “perdido”. Não porque estivesse um “gato”, não duvido, sempre foi um homem bonito, mas porque, há muitos anos, fora um dos meus grandes ídolos, junto com Reinaldo, João Leite, Cerezzo e Paulo Isidoro.

Já no setor de informática, Rinaldo era o encarregado da área de telecomunicações. Há alguns anos, devido a um problema externo da antiga Telemar, todos os “trocentos” telefones do jornal ficaram mudos. Preocupado, ele ligou para a empresa, tipo “urgência, urgentíssima”. E nada de o problema ser sanado. Ao receber pelo interfone inúmeras e insistentes reclamações, pacientemente, explicava o caso.

– Aguardem, que a Telemar está resolvendo. Calma, gente! A Telemar...

Como jornalistas, por via das circunstâncias, querem tudo para ontem, não deram sossego ao rapaz, que, cansado de contar a mesma história, se saiu com esta: “Seguinte, caiu um satélite na Cristiano Machado e atrapalhou a rede inteira. Por sorte não morreu ninguém...”

Passaram-se 15 minutos, e ele recebeu uma interfonada do rapaz que, pelo rádio, coordenava os veículos da redação: “Rinaldo, já estamos com o carro próximo à Cristiano Machado, e o motorista quer saber: em que altura caiu o satélite?”

Pronto. Deu pane. Não na Telemar, mas na sua cabeça ao descobrir que um carro foi deslocado somente para registrar os “destroços do satélite”. De prontidão, e sem perder o bom humor, respondeu que um satélite espatifado na Cristiano Machado não era nada que merecesse uma nota. E, como fez questão de frisar, “nem houve vítima!”

E por falar em satélites, lembro-me da leitora que ligou aflita querendo conversar com o astrólogo responsável pelo horóscopo. Na época, nossos horóscopos eram fornecidos por uma agência de notícias. Tentamos explicar, mas nada de ela desistir. Teria que viajar, e os astros desaconselhavam: “Evite viajar de avião...” Bom, o jeito foi ligar para São Paulo e descobrir o contato do astrólogo, já que a mulher insistia em conversar com ele, saber de detalhes, tipo: viagem de ônibus pode?

Ligamos para a agência, que, de imediato, não soube responder. E a leitora na outra linha, insistindo. Enfim, apareceu o nome do sujeito: “Capricórnios”. Isso mesmo, Capricórnios em pessoa. Após essa descoberta, e sem saber mais o que fazer com a mulher, a aconselhamos a viajar tranquila. Cancelar seu programa porque o Capricórnios ou “Júpiter em conjunção com Saturno” (sei lá) aventaram que seu avião pudesse cair seria uma insensatez. Ainda mais se considerarmos que no mesmo avião estariam geminianos, taurinos, aquarianos etc. Felizmente, nesse dia, nenhum avião caiu.