Só não saíram no meio porque queriam saber até quando continuariam sem entender o filme que o professor havia indicado.
Pratos voadores, mulheres mudas e estáticas, loucura à solta, às vezes em preto e branco, rosa ou simplesmente sem cor. “Tudo para refletir”, explicou o mestre no dia seguinte. Hum... Então, tá.
Já na porta, começaram a ficar meio assim...
– Será que estamos na fila certa?
O povo era tão alternativo, tão indie, tão cult, que, sinceramente, pareciam estar noutro planeta.
– Marco Ferreri, David Lynch, Darren Aronofsky são meus preferidos – comentava alguém.
– “Zabriskie Point”, de Antonioni? Amei! – dizia o outro, entusiasmado.
– Assistiu ao “Goya”? Belíssimo!
– Andy Warhol, Jodorowsky... Sui generis...
E eles lá, ouvindo os comentários na fila, sem ter a menooor noção de quem eram aquelas pessoas, até que a Regininha chutou.
– Provavelmente cineastas...
– Cineasta pra mim é Spielberg, George Lucas, Arnold Schwarzenegger...
– Deixa de ser burro, Schwarzenegger é ator, não diretor.
E a Regininha:
– Gente, ele foi o governador da Califórnia.
– E você acha que se elegeu como?
– Por causa dos filmes, óbvio! – interrompe o Cecelo. “O Exterminador do Futuro” mesmo é um filmaço!
– Lembra quando ele arremessou o cara na rua com cabine e tudo?
– Filmaço! – repetia o outro.
– E o “Programado para Matar”?
– Esse é com o Sylvester Stallone, não?
– Filmaço!
Enquanto isso, na mesma fila...
– Luis Buñuel, Jean Cocteau...
– Estilisticamente belo, plástico!
– Von Trier e Vinterberg...
Início de filme. Silêncio total quando o Cecelo cutuca o Pedrinho.
– Tá gostando?
– Sei lá, esquisito...
E a Regininha:
– Pssssiu!
Dali a pouco...
– Tá entendendo?
– Mais ou menos.
– Psssiu!
– Vamos lá na pipoca...
– Pô, gente! – estressou a Regininha.
Fim de filme.
– Cara, o professor pirou. Que filme mais chato!
– Não entendi nada.
– Muito doido...
– Forte. Muito forte! – diz a Regininha de repente. E para completar: – Denso...
– Como???
– Esquece! Vocês não entendem nada mesmo...
E no dia seguinte, na aula.
– E aí? Gostaram do filme?
– Ô professor, pra ser sincero...
– Regininha?
– Muito, professor. Gostei muito.
– Aquela cena em que o prato vira borboleta e sai voando, como você a interpretaria? Tudo ali é muito paradoxal, né?
– Bem, eu...
– Aquela coisa entre a proposição e sua negação, o que acaba caracterizando uma contradição insolúvel. Bem, gostaria de ouvir sua interpretação.
Silêncio.
– Explica pra gente aí, Regininha! – grita o Cecelo lá de trás.
E a menina, com cara de pânico, resmunga:
– Muito forte...
– Hum?
– Denso... Sabe como?
Não, ninguém sabia. Nem ela, naturalmente.