Mona

Poeta

Cansada de esperar pela irmã, Mona resolveu procurá-la no mundo, conhecer novos ares. O destino, nem ela sabia

Por Laura Medioli
Publicado em 08 de setembro de 2019 | 03:00
 
 
Helvio

Mona nasceu em São José do Macuco, mas dizia a todos que era de Poema, localidade vizinha, onde vivera a infância. Gostava do nome, e, se lhe perguntassem “quem nasce em Poema, o que é?”, respondia cheia de graça: “Poeta!” Sendo assim, acabou virando poeta, a poeta de São José do Macuco.

Só que de poesia não entendia nada, decorou versinhos do tempo de escola, que, mesmo depois de adulta, gostava de recitar, sempre os mesmos daquela época. Entendia tudo pela metade, dizia que a outra metade dos entendimentos ficara com a irmã gêmea, Lisa, de quem há muito não tinha notícias.

A irmã se engraçou com um paulista que, da boleia de um caminhão, lhe prometeu o mundo, e foi aí que ela sumiu. Sumiu no mundo.

Além da desaparecida, havia mais cinco irmãos, uma escadinha de meninos de quem a mãe, sozinha, teve que dar conta. E depois, com a graça de Deus, já adultos e criados, se revezavam para cuidar da mãe, a “santinha parideira” de São José do Macuco, como era conhecida na região. A mulher que pôs no mundo, além dos seus, mais de uma centena de meninos – de “poetinhas”, como gostava de dizer a filha.

Mona nunca se conformou com o sumiço da irmã, afinal, eram inseparáveis até no nome: Mona e Lisa. “Monalisa!”, gritava a mãe, que sempre se referia às filhas de maneira única. “Monalisa, pegue a roupa no varal! Monalisa, vem tomar café!” Até o dia em que de repente se viu gritando: “Mona, cadê a Lisa?” E desde então nunca mais foi a mesma, se trancou por dentro e nunca mais trouxe meninos ao mundo. Também naquela época já existiam médicos na cidade, e as parteiras foram aos poucos perdendo a sua importância.

Cansada de esperar pela irmã, Mona resolveu procurá-la no mundo, conhecer novos ares. O destino nem ela sabia, a única certeza é que deveria partir. Assim feito Lisa, partiu na boleia de um caminhão cujo dono, amigo do irmão mais novo, oferecera carona até a capital.

No início foram grandes as dificuldades, a solidão era muita, e a adaptação, um tanto complicada. Custou a entender que teria de seguir em frente sozinha, sem a sombra da irmã. Trabalhou como faxineira, cozinheira, babá, pau pra toda obra, balconista e um bocado de outras coisas. Apesar da boa vontade e disposição, era difícil se manter nos empregos. Como ela mesma dizia, carecia dos “entendimentos”, já que entendia as coisas somente pela metade.

Um dia, conheceu um rapaz, porteiro do prédio em que trabalhava como diarista. Foi amor à primeira vista, em que ela literalmente caiu aos pés do pretendente. Lavando o saguão, exagerou no sabão e, a duzentos por hora, foi se engatar nas pernas do homem, que, sem equilíbrio, por pouco não quebrou os quadris tamanha a violência do tombo. E foi ali, naquela inusitada situação, que se descobriram: a Mona e o Adão.

Em pouco tempo, o relacionamento foi ficando sério. E o rapaz, já não se aguentando mais, foi forçando a barra, até que a Mona, também não se aguentando, foi cedendo, apesar de achar que aquilo fosse “muito arriscoso”.

Pensava que Deus dava filho somente aos casados, por isso nunca se preocupou em se precaver. Como entendia tudo pela metade, foi necessário que chegasse ao meio da gravidez para se dar conta do acontecido.

Marcaram o casamento para o fim do mês. Não podia “avexar” a mãe e a família, como dizia ao assustado Adão. Ia ser tudo nos conformes: véu, grinalda e vestido branco. Também fazia questão de que o filho nascesse em São José do Macuco, ou melhor, em Poema, para que assim ele fosse que nem ela: poeta!