LAURA MEDIOLI

Pretinha

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 09 de setembro de 2018 | 04:00
 
 
Editoria de arte

Em meio a tantas notícias “pesadas”, segue uma história leve da minha vira-lata Pretinha (publicada no livro “Só de Bicho”)

“Parecia um filhote de jacaré!”, dizia meu marido sobre a última vítima da Pretinha que, com um supercalango na boca, passeava pelo jardim. Ao vê-la, ele se interpôs no caminho e, com um grito, conseguiu que largasse o bicho. Cuidadosamente, colocou o calango semimorto em cima de um papelão e o deixou no alto, longe do olhar astuto de nossa vira-lata.

Não foi a primeira vez nem será a última que isso acontece. Caçar calangos, passarinhos e tudo que se move é rotina na vida de nossa cachorra.

Minha filha sempre diz que Pretinha, se fosse gente, certamente estaria presa ou às voltas com a Justiça. Malandra, esperta, inteligentíssima e criadora de casos, não tenho dúvida. Não que ela seja “do mal”; muito pelo contrário, é amável, carinhosa, fiel. Mas carrega na sua personalidade algo de transgressor e atrevido que jamais vi em cachorro algum.

Só descobrimos que estava grávida quando os dois minúsculos seres, cara e focinho do vira-lata do vizinho, nasceram. Tão minúsculos que apenas um sobreviveu. Mãe de primeira viagem, não sabia como lidar com a situação. Deitar-se num momento de relaxamento para amamentar o único filhote, enlevada pelo amor maternal, não fazia parte dos seus planos. Pretinha é um furacão, que, decididamente, não nasceu para momentos idílicos. E o sobrevivente cresceu à custa de mamadeirinhas e leite em pó, para, depois, ser ofertado a uma pessoa amiga.

– Mãe! Por que não ficamos com ele? – insistiam minhas filhas.

E eu, já pensando nas consequências, dizia:

– Porque é macho. E, aqui, já temos três fêmeas; não daria certo.

Menos mau que minha desculpa era plausível. O que eu não disse é que, no fundo, meu temor era saber que “filho de peixe peixinho é!”. E, sinceramente, dose dupla de Pretinha, ninguém merece.

Às vezes, fico pensando: se ela tivesse nascido em minha casa, e não na rua, teria a mesma personalidade? Provavelmente, não. A rua a moldou para a sobrevivência. Sabe que, em lixeiras, dentro de sacos plásticos, encontra alimento. Que, nas avenidas, mora o perigo e, para atravessá-las, tem que ter perna e coragem. Água? Qualquer uma, menos a da piscina, onde, numa noite, quase partiu para a eternidade.

Leio numa matéria que a oferta e a demanda por serviços associados aos animais domésticos cresceram absurdamente. Oferecem-se desde os serviços tradicionais, como vacinação, internação, inseminação artificial, até serviços especializados em unir casais. Uma espécie de agência matrimonial canina, chegando inclusive aos detalhes, como, por exemplo, organizar cerimônias de casamento e criar motéis para que eles, os “noivos”, tenham seus momentos de intimidade. O serviço custa cerca de R$ 600, incluindo caminha, cadastro de possíveis parceiros(as), acompanhamento psicológico e veterinário.

E penso na Pretinha. Imagino-a levada ao computador de um pet shop para descobrir, entre os cadastrados, a sua “alma gêmea”, ou melhor, seus “genes gêmeos” e, decididamente, não gostar da coisa. Nasceu e cresceu livre. Nada de “casamentos” arranjados. Entre o perfumado e empertigado terrier do pet shop e o atrevido e independente vira-lata do vizinho, com certeza, ficaria com o segundo. Nem que para isso tivesse que escalar os muros do loteamento mais próximo e viver suas secretas, desastradas e intensas aventuras amorosas.