LAURA MEDIOLI

Quando a Covid me visitou

Por Laura Medioli

Por Laura Medioli
Publicado em 18 de julho de 2020 | 08:21
 
 

Minha amiga levava as compras da semana para sua mãe, quando eu lhe telefonei. Atendendo pelo viva-voz, ela me diz “alô”, para em seguida, do nada, começar a contar: “2, 3, 5, que absurdo! 6, 7... impressionante! 8, 9... TIO!!!???”

E eu lá, escutando aquilo sem entender bulhufas.

– Amiga??? Tá tudo bem aí? – pergunto.

E ela, com a voz alterada, me responde:

– Laurinha, você acredita que estão fazendo um churrasco na calçada da rua da minha mãe? Deve ter umas dez pessoas, e, pior, umas oito sem máscaras.

– Putz! – comentei, horrorizada.

E ela, enfurecida, completa:

– E o sem-noção do meu tio está junto! Você acredita?

– Epa, aí complicou – pensei.

– É aquele que divide o lote com sua mãe? E que não sai da casa dela? – pergunto, preocupada.

– Não saía! Minha mãe o expulsou de lá. Desde o início da pandemia, ele está proibido de entrar na casa.

– Menos mau – pensei aliviada.

Ao desligar o telefone, fiquei refletindo sobre os vários sem-noção que andam com suas máscaras penduradas no pescoço, ou, pior, sem elas, fazendo churrasquinhos, comemorando aniversários, piscinada com os amigos, e por aí vai.

No mesmo dia, indo levar as compras do sacolão (feitas pela internet) a meus pais, encontrei a lagoa da Pampulha cercada por grades, enquanto ao lado, numa praça gigantesca, ciclistas, corredores e caminhantes dividiam o espaço. Os que corriam, suados e esbaforidos, levavam suas máscaras na mão. Os que caminhavam, com a máscara na boca e o nariz de fora. Os ciclistas, nem reparei, pois estava indignada demais com o senhor grisalho, vestido impecavelmente, caminhando com seu celular na mão. Passando devagarinho com o carro, pensei: “Onde diabos esse homem enfiou a máscara?” Até constatar que ela não existia, o coroa chique se dava ao luxo de andar sem ela. Abri o vidro e apontei a minha, fazendo cara tipo: “E aí? Cadê a sua?” E ele, com cara de paisagem, sem entender direito, me deu um tchauzinho, provavelmente me confundindo com alguma conhecida.

Enfim, respeito é bom, e a gente gosta. Relato esses casos para chegar aonde quero. Completamente neurada com o coronavírus, dessas que andam com um recipiente gigante de álcool na bolsa, não deixando ninguém se aproximar a menos de dois metros, que assiste à televisão em casa com máscara, que passa álcool nas mãos, no cabelo, no tornozelo, no celular, nas maçanetas, nas chaves, nas compras, no rosto e no cachorro, além das trocentas lavadas de mão, eu peguei Covid. Para quem conhece o meu excesso de cuidados, a notícia foi uma hecatombe: – Gente! Se a Laurinha pegou, qualquer um pode pegar! Não existe ninguém mais surtada com coronavírus do que ela – diziam. E tinham razão, com marido transplantando, hipertenso e diabético, não tinha como ser diferente. Descobri o vírus por meio do exame PCR, que eu e ele fizemos juntos. Menos mau que li o resultado negativo dele, antes do positivo meu. Li umas dez vezes a palavrinha, até a ficha cair.

“Como assim??? Mas eu não sinto nada! E onde fui pegar isso?” As perguntas despencavam na minha cabeça, já desorientada, pensando no que fazer. Claro! A primeira coisa a fazer seria a minha mala, me transferir para a casinha do meu irmão que se mudou pra Bahia, nos fundos do lote da casa de minha mãe, e ali permanecer por 15 dias. E lá fui eu, 40 minutos depois de ler o resultado do exame. Eu, minhas roupas, meu computador, minha pit-lata e um vidrinho de hidroxicloroquina, receitado por um médico amigo, que imediatamente comecei a tomar. 

Avisei as pessoas com as quais estive na última semana e fui fazer as contas. Se o exame demorou uns quatro dias para sair o resultado, devo estar pelo menos no quinto dia, ou seja, quando começam a aparecer os sintomas, que, até então, não tinham dado as caras. Levei termômetro e oxímetro, tudo normal. No dia seguinte, a mesma coisa, sequer uma dorzinha leve de cabeça. Preocupados, amigos e familiares me ligavam a todo momento:

– Laurinha? Você está bem?

– Estou ótima! – respondia. E estava mesmo! Provavelmente, eu fazia parte do grupo de assintomáticos, que depois, vim a saber, uma parcela enorme da população, principalmente jovens, faz parte.

Foram 15 dias de boas leituras, sem despertador, sem agendas, com joguinhos no celular, banhos de sol no quintal com minha pit-lata, que, grudada em mim, preferi levá-la junto. Ovos mexidos, omelete, ovo cozido, sanduíche, brigadeiro na panela (queimei umas duas), bisnaguinhas, frutas e iogurtes que trouxe de casa, dentre outros, foram meus alimentos de quarentena. Optei por não ligar a TV, não queria assistir àquela série de notícias fúnebres que me deixariam pra baixo.

Tive a sorte e a felicidade de não ter transmitido ao meu marido e filhas, já que, no caso dos assintomáticos, essa possibilidade é maior. Sorte não ter sentido absolutamente nada. Nada de dor de garganta, febre, dor de cabeça, falta de ar... Com excesso de cuidados, não faço ideia de como peguei a Covid. No trabalho? No supermercado? Pelos olhos?

Fui privilegiada, e agradeço a Deus por isso. Sem peso na consciência, já que em momento algum me descuidei, penso nos tantos sem-noção, sem máscaras e sem juízo em meio a aglomerações, churrasquinhos, batendo perna nas ruas sem necessidade... Será que só vão se tocar quando os números virarem nomes de pessoas queridas? De um familiar, de um amigo? Aí, infelizmente, poderá ser tarde.