LAURA MEDIOLI

Quem segura essa Pretinha?

Domingo de sol, pego a coleirinha, enquanto ela, eufórica, aguarda pelo passeio. É a única da casa que vai feliz ao veterinário para tomar banho

Por Laura Medioli
Publicado em 12 de janeiro de 2020 | 03:30
 
 
Hélvio

Fim de semana, convido minha amiga para jantar. Mesa posta, conversa gostosa… Nós nos sentamos: eu na cadeira, ela na Pretinha...

– PRETIIIINHA?

Escuto um grito assustado, enquanto minha cachorrinha, mais assustada ainda, pula da cadeira onde dormia escondida. Não é a primeira vez, nem será a última, que isso acontece. Principalmente em noites frias, quando ela sorrateiramente sobe na almofada. Acobertada pela toalha de mesa e pela própria mesa, se esquiva de dormir na varanda.

Menos mau que minha amiga é pequena e magra. O “desastre” poderia ter sido pior. Comento que, no domingo, passearei com ela na lagoa.

– Quando vocês passeiam, ela vai de coleira, né? – Quer saber a minha amiga, preocupada.

– Claro! Senão, corro o risco de ela pular na lagoa, atrás das capivaras, dos marrecos, do jacaré… – respondo, sorrindo.

Domingo de sol, pego a coleirinha, enquanto ela, eufórica, aguarda pelo passeio. É a única da casa que vai feliz ao veterinário para tomar banho. As outras, ao escutarem o barulho do carro que vem buscá-las no fim de semana, se escondem debaixo da cama. Depois, numa tremedeira de dar pena, entram forçadas na Fiorino do pet shop. Pretinha, ao contrário, faz questão de ir sozinha. Basta abrir a porta, que ela pula dentro, numa alegria que nos faz rir. Na lagoa, empertigada, segue na frente, me puxando pela coleira.

– Calma, Pretinha! Está muito calor pra correr...

E lá se vai, sentindo-se a dona do pedaço, fazendo xixi de 20 em 20 metros, com a perninha levantada nas árvores, que nem cachorro macho demarcando seu território. Invoca-se com um poodle cheio de fru-frus, olha curiosa para o “salsicha” que anda sem coleira, late de volta pro cachorrão do outro lado da rua, que, desorientado, corre de um lado ao outro no portão.

Estava exausta. Acompanhar o seu ritmo neste calor é complicado. Chegamos ao Rei do Coco, onde, puxando um banquinho à sombra, finalmente encontro um tempo para descansar. Com um coco enorme nas mãos e a Pretinha pulando no meu colo, ouço o celular tocando no viva-voz.

– Laurinha, onde você está? – pergunta minha mãe.

Equilibrando o coco com dificuldade, não consigo desligar o alto-falante.

– Estou no Coco com a Pretinha – respondo.

A ligação estava péssima, e – sabe-se lá o que ela entendeu – ouço:

– Você levou os sacos plásticos?

Como se não bastasse o insólito da pergunta, escuto – eu e a torcida do Atlético – a 200 decibéis de altura:

– Você tem que tirar o cocô...! LAURINHA, VOCÊ TIROU O COCÔ??? – Nessa hora, todos me olham, e o telefone continua no viva-voz.

Tento me livrar do coco e da Pretinha, com sua coleira enroscada em minha perna. Minha mãe continua trocando alhos por bugalhos, enquanto eu, querendo desaparecer, tento explicar a situação:

– Escuta, eu estou no Coco, no Rei do Coco, entendeu???

E desligo o celular antes que a confusão das palavras torne a situação ainda mais constrangedora. Pelo jeito, o “estou no Coco com a Pretinha” virou “cocô da Pretinha”. Vai explicar isso a uma dezena de pessoas que compartilhavam o espaço comigo! Saio às pressas, sendo puxada a 50 quilômetros por hora por minha cachorra, que, empolgadíssima, quer descobrir o mundo e que, de vez em quando, dá para sumir. Adora desvendar as redondezas, principalmente quando lá encontra outros cachorros para atazanar a vida. Na chácara vizinha, onde moram dois pequenos vira-latas, Pretinha (vira-lata-mor) já impôs sua presença com latidos altos e mordidas afiadas, deixando bem claro quem é que manda no pedaço. Hoje, só de chegar perto, põe os bichinhos pra correr. Peço desculpas ao proprietário, que, rindo, não se incomoda. Afinal, já fora cativado por nossa Pretinha.

Pior foi o dia em que ela literalmente sumiu… Procuramos na vizinhança, na rua, nos lotes, nos jardins… Até que, à noitinha, tocaram a campainha. Era a vizinha da frente devolvendo-a à nossa casa. Achando graça, contou que ela passou lá o dia se esbaldando de churrasco. E não foi a primeira vez. Pedimos encarecidas desculpas. Morando em casa de vegetarianos, nossa cachorra descobriu o mapa da mina. Churrasco no vizinho!!! Era só o que faltava… Mas quem segura essa Pretinha???