LAURA MEDIOLI

Reencontro

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 01 de abril de 2018 | 04:30
 
 
Salomão Salviano

O menino olha para a menina e, esticando a mão pequena, cumprimenta-a sem jeito.

Coincidentemente tinham a mesma idade, o cabelo escorrido e a morenice na cara, como se fossem irmãos.

Na verdade, foi o que de certa forma lhes propuseram os respectivos pais.

– Filha, eu e Paulo estamos pensando em nos casar, refazer nossas vidas...

E distante dali...

– Filhão! Telma e Clarinha vão se mudar pra cá...

E assim, Paulo, Telma, Carlinhos e Clara passaram a conviver sob o mesmo teto, numa pequena e pacata cidade de Minas.

Tempos depois...

– Não há mesmo a possibilidade de ser transferido?

– Telma, eu não tenho como cobrar isso, já dou graças a Deus por estar trabalhando. Sou um engenheiro, para onde me mandarem eu vou...

– Mas isso aqui é o fim do mundo!

– Antes de vir, você já sabia, deixei tudo muito claro...

– Não consigo trabalho... Nem sequer tem escola direito pros meninos! Não foi isso que sonhei pra Clarinha...

– E pro Carlinhos? O que você acha? Se a mãe dele não fosse tão louca e irresponsável, eu o teria deixado com ela, numa escola decente, cursando inglês, estudando computação, treinando judô, sei lá, hoje em dia tem tantas coisas...

– Pois é, tantas coisas, e os nossos filhos aí, mal aprendendo o português...

– Telma, o que você quer que eu faça? Largue o meu emprego?

– Eu não quis dizer isso...

– Então, o quê?

E na rua o tempo parecia não passar. Junto à meninada da vizinhança, Carlinhos e Clara improvisavam brincadeiras. A amizade e a sintonia eram evidentes. Apesar da pouca idade, compartilhavam os sentimentos confusos que os afligiam. A mudança inesperada, a convivência forçada, a nova cidade, a nova escola, os novos amigos e, de certa forma, a nova família, tudo era demasiado para ambos. Talvez por isso, por dividirem as mesmas experiências, a afinidade se manifestou de forma tão intensa.

Não estudavam inglês, tampouco ouviam falar em computação, mas duvida-se que alguém de fora soubesse, como eles, pescar traíra no açude, curar dores com raizadas e, nas noites de lua, contar histórias horríveis de mulas sem cabeça.

As ruas calçadas de pedra lhes pertenciam; não havia trânsito, perigo de assalto. Pelos mais velhos aprenderam a ter respeito, pedir a bênção. Com os mais jovens, a amizade descompromissada, sem disputas ou ostentações. Inexistiam desejos pelos tênis da moda, por smartphones de última geração o máximo. Disputavam-se goiabas maduras, sombreados na praça...

Até que um dia...

– Filha, nós vamos ter que voltar...

Os anos passaram, deixando saudosas lembranças. Perderam-se os contatos. E por aquelas estranhas veredas, Carlos tornou-se agrônomo, e a menina Clara, veterinária. E foi numa exposição de gado que os dois se reencontraram. Coincidentemente, trabalhavam na mesma cidade, no interior de Goiás.

E desde então nunca mais se separaram.