LAURA MEDIOLI

Sementes do bem

Redação O Tempo

Por Laura Medioli
Publicado em 02 de setembro de 2018 | 04:30
 
 
Hélvio

De vez em quando, minha filha mais velha me ligava para saber como se fazia leite queimado, chocolate quente ou alguma coisa parecida. Ela e a caçula, ambas adolescentes na época, trabalhavam voluntariamente, à noite, dando aulas de alfabetização para adultos. Uma ensinava matemática e português, e a outra, por um período, foi a encarregada da cozinha, onde servia sanduíches, café com leite e bolos de fubá. 

Desde crianças, procurei prepará-las para uma realidade distante da delas, mas, ao mesmo tempo, tão próxima. Gostava de levá-las às vilas e aglomerados, onde, ao meu lado, costumavam tomar café e ouvir sobre tragédias. Aprenderam com isso que caridade não é somente distribuir coisas, mas, acima de tudo, saber escutar, dar conselhos e ser útil a alguém.

Ainda meninas, sem eu nunca ter pedido, já se mobilizavam em questões humanitárias. E não me surpreendia quando tiravam um fim de semana para trabalhar em prol de crianças em tratamento oncológico.

Não esqueço o dia em que me fizeram rodar meio mundo para encontrar o que procuravam: um par de Conga branco e outro vermelho.

– Uai! Isso ainda existe? – perguntei curiosa.

– Claro, mãe! É o melhor tênis do mundo! – E rindo, completaram: – E custa só R$ 10... Mãe, um tênis da Nike é mais de R$ 300... Não entendo, como é que pode...

Concordei, pensando no tipo de consumismo que já naquela época imperava, que quase “obrigava” os pais a adquirir um desses “Nikes da vida”. 

Que bobagem! As coisas podiam ser tão mais simples se mostrássemos aos nossos filhos, ainda em formação, que os verdadeiros valores não se encontram em etiquetas ou marcas.

Às 21h, saía para buscá-las no trabalho. Como sempre, entravam no carro sorrindo, satisfeitas, contando casos e mais casos dos seus alunos grandes. Vestiam-se de jeans e camiseta. Nos pés, Conguinhas brancos e vermelhos. Olhando para elas, pensava: “Tão meninas e tão maduras...”

Até que elas cresceram.

Na última semana, a minha mais velha completou 30 anos. Incrível como o tempo nos escapole. E vou me lembrando de cada fase de sua vida, desde o dia em que nasceu, numa manhã ensolarada de agosto. De lá para cá, muitas coisas aconteceram...

No seu aniversário, pediu aos amigos e familiares que lhe dessem ração de presente. Vegetariana convicta e amante dos animais, optou por ganhar comida de cachorro para distribuí-la a ONGs protetoras.

E foi na semana retrasada que a minha caçula, já casada, saiu de sua casa às cinco da manhã para um compromisso, só retornando à noite, exausta, mas imensamente feliz.

– Mãe, eu tô quebrada... – me diz pelo telefone.

– Como assim, filha? Onde você estava que nem seu celular pegava? 

E me contou animada sobre o novo projeto em que se envolveu. Foi parar no Taquaril, próximo a Sabará, no alto de um morro que não acabava nunca, até chegar a um aglomerado pobre e carente de tudo. 

Trabalhou, com uma equipe de jovens feito ela, na construção e reforma de casas para quem mais necessitava. Dez casas construídas ou reformadas num único dia. Pegou firme na marreta, logo ela, magrinha daquele jeito! pensei impressionada. Por isso, a exaustão.

– Amanhã te conto tudo! Vou dormir... – me diz, já tarde da noite. 

Desligo o telefone e me perco em divagações... 

Minhas meninas cresceram. Vejo que aquelas sementinhas do bem, que germinaram lá atrás, nunca deixaram de evoluir. Sei que hoje, dentro delas, existe uma árvore gigante! Uma árvore cujos frutos alimentam, cujas flores colorem e cujas sombras acolhem a quem precisa.

Árvores lindas, que às vezes, sem me conter de emoção, me fazem chorar.