LAURA MEDIOLI

Só podia ser mulher, uma ova!

“Confesso que manobras nunca foram o meu forte, detesto fazer baliza. Se a vaga disponível for pequena, prefiro dar voltas a ter que ficar ali

Por Laura Medioli
Publicado em 27 de janeiro de 2019 | 04:00
 
 
Hélvio

Li nos jornais que uma motorista, ao manobrar no estacionamento de um supermercado, atravessou o muro do recinto com uma parte de seu carro. O caso foi parar nas redes sociais e, pelo fato de ter acontecido com uma mulher, logo, logo virou piada, seguida da velha frase: “Só podia ser mulher”.

Confesso que manobras nunca foram o meu forte, detesto fazer baliza. Se a vaga disponível for pequena, prefiro dar voltas a ter que ficar ali, numa série de idas e vindas, lendo o pensamento de quem assiste do lado de fora: “Aposto que é mulher...”.

Concordo que, às vezes, fazemos coisas inusitadas, como aquela motorista do Triângulo Mineiro que foi ao posto abastecer e, distraída, arrancou o carro antes da hora, levando a bomba junto, para o desespero do frentista, que, aos berros, corria atrás. Por pouco, não causou uma tragédia. Na época, ao ver a foto da bomba caída na capa do jornal O TEMPO, pensei: “Ai, Deus! Espero que não seja mulher!”. Infelizmente, era.

É sabido que carregamos o estigma de sermos consideradas más motoristas, “roda dura” e adjetivos tão pejorativos quanto. O que é totalmente falso. Somos mais atentas, cuidadosas, não fazemos loucuras no volante nem temos o costume de sair aceleradamente, disputando o espaço nas ruas com um irresponsável.

Estatisticamente, nos envolvemos bem menos em acidentes no trânsito que os homens. De acordo com as seguradoras, “o índice de sinistralidade das mulheres é muito menor quando comparado aos índices medidos para os condutores do gênero masculino. E, quando há colisão, a severidade desta é sempre menor porque, na maioria dos casos, as mulheres respeitam os limites de velocidade”. Pois é. Estão vendo?

Certa vez, a conhecida frase me perseguiu. Isso na hora do rush, quando, com o carro pifado, levei mais de duas horas para tentar chegar a um compromisso que, devido às circunstâncias, acabei desmarcando. Não me perguntem o que aconteceu para que o carro, do nada, desligasse. Simplesmente “apagava”, mesmo mantendo a aceleração constante, o ar-condicionado desligado ou qualquer outra coisa que pudesse interferir na potência do motor.

Antes que a desgraça fosse completa, resolvi parar e pegar um táxi. Mas, no meio da “muvuca” da avenida Afonso Pena, encontrar um lugar vago seria outra luta, para não dizer impossível. O carro parando de dois em dois minutos, enquanto eu observava, atenta, a temperatura. Para religar o motor, era preciso desligar os faróis. Ao virar a chave, uma acelerada mais vigorosa, antes que morresse novamente. No auge do estresse e do calor, abri o vidro, mostrando minha cara aos motoristas ao lado, que me olhavam, ora divertidos, ora penalizados. “Tinha que ser...”, pensavam, enquanto os de trás, obrigados a frear, buzinavam impacientes.

E foi no meio da praça Sete, entre Afonso Pena e Amazonas, num trânsito infernal, que o guarda me mandou acelerar. “Acelerar como, meu filho?”, indaguei, nervosa. Vi o carro parando de vez e pensei seriamente em abandoná-lo ali. O homem insistia no apito, enquanto eu, sozinha no cruzamento, tentava religar o motor. Quase ponho fogo na coisa, mas fiquei aliviada ao vê-lo partir a 15 km/h.

Por dois dias, tentaram descobrir a causa do problema. De uma coisa tenho certeza: o problema não estava entre o banco e o volante. Posso ser tudo, menos uma má motorista. E fico indignada com o simples fato de que ser mulher nos leva a sermos vítimas de preconceito. Talvez nos faltem alguns conhecimentos técnicos, que, com o tempo e a necessidade, acabamos adquirindo.

Lembro-me de meu primeiro carro, um Fiat 147, que por muito pouco não incendiei (também!). Nunca ninguém tinha me avisado da necessidade de, vez ou outra, verificar o nível da água. Para bem dizer a verdade, nem sequer sabia que carros precisavam de água. Para mim, bastavam gasolina e óleo.

E descobri da pior maneira possível: no meio do trânsito, desaparecendo em meio à fumaça. “Deus do céu! O que é isso?”, perguntei assustada ao senhor que parou para me acudir. Abrindo o capô, meu susto virou pânico. Parecia um vulcão em erupção saindo do motor incandescente. A partir desse dia, nunca mais deixei de pôr água no reservatório e, quase involuntariamente, dar uma espiada na temperatura.

Lidar com o primeiro pneu furado também foi um horror! Principalmente por me encontrar em cima de um dos maiores elevados da cidade, empacando o trânsito, até surgir um motorista solícito e gentil, prontificando-se a me socorrer. Enfim, “pequenos grandes” problemas que, hoje, solucionaria sem pânico e sem estresse. Com algumas exceções, claro.