LAURA MEDIOLI

Sua mala sumiu? A minha também!

No aeroporto, saí em busca do hotel, de uma escova de dentes e de uma camiseta para dormir. (...) numa loja de suvenires, descobri umas camisetas infantis em que estava escrito 'I Love Milano'

Por Laura Medioli
Publicado em 24 de setembro de 2022 | 09:45
 
 
Acir Galvão/Editoria de Arte

Sabe aquelas coisas que planejamos nos mínimos detalhes, com a expectativa quase infantil de quem vai ao parque pela primeira vez? Pois é, era eu me organizando para o casamento de minha sobrinha na Toscana, na Itália. Seriam três dias de festas num antigo vinhedo/hotel com direito a passeios culturais e gastronômicos.  

Conhecendo o país e sua maravilhosa comida, dois meses antes resolvi perder os dois quilos – ainda resquício da pandemia, quando ganhei sete. Deixei para comprar o vestido de véspera, lindo e floral, como sugeria o cerimonial do evento.  

Até que o esperado dia da viagem chegou. Saí de Belo Horizonte via TAP, fazendo conexão em Lisboa, até desembarcar em Milão, onde meu cunhado me aguardava para irmos a Parma. Tudo certo, até ter um “porém” no meio do caminho. Tipo: cheguei a Milão, mas minha mala, não.  

Pelo celular, verifiquei, pelo GPS de malas que minha filha tinha me emprestado, que ela ainda se encontrava em Lisboa. Paciência! Deve vir no próximo voo, pensei. 

Cansada, já que não consegui dormir no avião, saí pelo Malpensa, o gigantesco aeroporto de Milão, em busca do “Reclamações de malas extraviadas”. No caminho, encontrei uma cadeirante, se esforçando para explicar à assistente que sua mala não chegou, assim como não chegaram as três amigas que viajavam com ela. A senhora não falava italiano nem inglês, a atendente não falava português, e, penalizada com a situação, resolvi intervir. 

E lá fomos as duas reclamar nossas malas. Pior foi a situação da senhora, sem mala e sem as amigas, que perderam a conexão. Culpa delas? Não, culpa da companhia aérea, que vende um voo cuja conexão é impossível realizar caso o avião atrase 15 minutos. Só conseguimos chegar porque a senhora, de cadeira de rodas, entrou como prioridade, e eu, por estar de executiva, saí assim que as portas se abriram, correndo feito uma maluca no aeroporto de Lisboa.   

Encontrei-me com meu cunhado e contei da mala. Resolvemos almoçar por ali, provavelmente ela chegaria no próximo voo. E não chegou. Nem no seguinte.  

Retornando do almoço, me perdi da senhora. Antes de nos separarmos, entendi parte do seu problema: tomava anti-inflamatório para dor nas pernas e, como a cadeira que usava era da companhia aérea, de repente se viu sozinha no Malpensa, sem as malas, sem as amigas, sem a cadeira de rodas e sem falar italiano ou inglês. E o pior: com uma viagem programada de navio para as ilhas gregas. 

 “Putz!”, pensei com meus botões, “a situação dela é bem mais complicada que a minha”. Deve ter juntado todas as suas economias para fazer a viagem dos seus sonhos, mas aí...   

Como a minha mala não chegava nunca, resolvi bater ponto no recinto das reclamações. Credo! Nunca vi tanta gente estressada por metro quadrado. Filas enormes de pessoas de todas as nacionalidades, incluindo os brasileiros que foram no mesmo voo que eu. Uma mãe e seu filho adolescente aguardavam mais de cinco horas sem água, sem fazer xixi e sem uma bala sequer para comer. Temiam sair do local e não conseguir voltar. Solidária, ofereci minha barrinha de cereal, que o adolescente, com aquela cara de quem estava louco para matar alguém, devorou. Vindos do interior de Minas, viajaram a madrugada toda para chegar a tempo em Confins, mas aí...  

Constrangida com meu cunhado me aguardando, dispensei-o. Dormiria no aeroporto e no dia seguinte daria um jeito de chegar a Parma. Pelo GPS vi que minhas roupas, meu vestido floral, sandália, presentes para os cunhados, cremes, protetor solar, óculos etc. não saíram do lugar. Droga! E já tinham se passado mais dois voos depois do meu. Nervosa, voltei para o recinto das reclamações, antes passando pelo detector de metais, mostrando pela décima vez meu passaporte e aguentando o estressado que gritava para eu tirar o celular da bolsa. Da fila se ouviam reclamações em todas as línguas, histórias de dar pena, como a da mulher que há 17 dias aguardava por sua mala proveniente dos Estados Unidos e que ela e a companhia aérea não tinham a menor ideia de onde estava. Mas eu sabia da minha e mostrava para a moça do atendimento: – Vim de executiva, paguei o olho da cara, na minha mala está escrito “Prioridade”, vim exclusivamente para um casamento, e a mala sequer saiu do lugar?  

– No próximo voo, te sugiro ir para a esteira, quem sabe encontra ela lá?   

 – Tudo bem, mas quem vai me autorizar a entrar no saguão da esteira? 

– Humm... É... Não sei. O problema é que a TAP nem sempre envia as malas perdidas pra cá...   

Normalmente calma, comecei a me enervar. 

– Mas a mala não está na esteira, ela continua em Lisboa, capisce? – E a mulher, sem saber o que dizer, já não “capiscava” mais nada.   

Liguei para o seguro que tinha feito antes de viajar. Um rapaz anotou tudo e disse que me reembolsariam as despesas de primeira necessidade se a mala não chegasse. Liguei trocentas vezes para o número que me forneceram no setor de reclamações. Foram horas de robôs e musiquinhas, até que, pela enésima vez voltei ao setor. O sujeito do antimetais nem me parava mais, já me reconhecia de longe. Entrei na fila novamente, alguém tinha de me escutar. De repente, uma das atendentes surtou. A gritaria era tanta que os da fila, assustados, pararam de reclamar para escutá-la. 

– Ragazzo di m...! Cazzo! Cazzo!!! (Por favor, não me peçam para traduzir.) Fiquei pensando no rapaz que, desesperado em busca de sua mala, invadiu o setor, até topar de frente com a surtada que, histérica, quase o expulsou no tapa. A mulher era um colosso, cujos decibéis da voz faziam tremer o recinto. Enfurecida, continuava a metralhar 500 palavrões por minuto, até que alguém sensato a retirou do lugar. Também não a culpo, imagina ter de ficar horas escutando xingos e impropérios, sem ter culpa das encrencas e da incompetência das companhias aéreas.   

Já tarde, restava-me aguardar o voo da meia-noite. No aeroporto, saí em busca do hotel, de uma escova de dentes e de uma camiseta para dormir. Andei quilômetros atrás de alguma veste, e nada. Disseram-me que, devido ao terrorismo, não se vendiam mais roupas no aeroporto, fora da área de embarque. Quis entender o que tinha uma coisa a ver com a outra, mas já estava sem neurônios para me preocupar com isso. Até que, numa loja de suvenires, descobri umas camisetas infantis em que estava escrito “I love Milano”. Levei a de 12 anos.  

Às 21h fui para o hotel. Vi que a senhora da cadeira de rodas, agora sem a cadeira, não havia lido minha mensagem. Até que o telefone tocou. Era ela! 

– Laura! Você recebeu sua mala? A minha não veio, nem ela, nem minhas amigas...  

Nisso a ligação cai. No celular dela aparece apenas um tracinho. M...!!! Acabou a bateria da mulher. E agora?  

Penalizada, saio em sua busca no aeroporto. Mais quilômetros de caminhada, e nada. Todos os cafés, lojinhas...! Sumiu de novo! Que nem as malas... 

Tarde da noite, resolvi me dar um prazer, comer um ravióli, regado a vinho tinto. Exausta e meio tonta – de vinho ou de sono, sei lá –, verifiquei que minha mala ainda estava em Lisboa e não viria no voo da meia-noite. “E agora? Tenho de me encontrar com minha filha em Parma e seguirmos juntas até a Toscana, onde será o casamento. Se a mala não chegar, com que vestido eu vou? E sandália? E tudo mais?” 

No chuveiro lavei os cabelos e minha única calcinha. Duro foi na hora de secá-los. Já viu secador de hotel? Pois é. Com o cabelo molhado e a calcinha úmida, fui me deitar espremida na minha “I Love Milano”. Tentei dormir, pois teria de acordar cedo para ir a Parma, mais ou menos duas horas de viagem.  

Seis e meia, levanto-me correndo, me espanto com meu cabelo, enfio a camiseta na bolsa e saio. Do táxi, ao rever as paisagens que tanto amo, tento relaxar. Ergo a cabeça, ajeito meu cabelo espetado e decido ligar o f...!  Sem dúvida, a atitude mais inteligente que encontrei para passar oito dias na Itália sem a minha mala. 

(Continua na próxima crônica)