Laura Medioli

LAURA MEDIOLI escreve aos sábados. laura@otempo.com.br

Um adorável "fim de mundo"

Publicado em: Dom, 18/10/15 - 03h30

Sou pampulhana da gema. Nasci, me criei e continuo vivendo na Pampulha. Antes, bastava dizer que eu morava na região para ouvir em seguida:

– Nossa! Como você consegue morar naquele fim de mundo? Nunca entendi esse espanto das pessoas, afinal, para mim, aquele “fim de mundo” era quase tudo.

Para ir à escola na Serra, bairro onde passei grande parte de minha adolescência e juventude, bastavam 30 minutos. Claro, o trânsito era outro, sem tantos sinais, radares, carros, ônibus, gente e confusão. Entre irmãos e primos, éramos sete adolescentes que, saindo num carro chamado C14, éramos distribuídos pelas escolas do caminho. Por estudar na Serra, a minha era a última escola do percurso. Nunca entendi o porquê de não estudarmos todos juntos.

Como a minha turma de amigos morava na Serra, naturalmente escolhi o Promove da Estevão Pinto para estudar, tomar um bocado de recuperações e caçar confusão com a turma do colégio vizinho, o Sagrado Coração de Maria. Bons tempos, até o dia em que minha mãe me “intimou” a ir para o Pitágoras da Pampulha, mais perto e com a vantagem de que eu poderia fazer amigos na região. Fui a contragosto e descobri que ela estava certa: fiz várias e boas amizades, muitas das quais preservo ainda hoje.

Conheço bem a região, composta por mais de 40 bairros, além de vilas e aglomerados. Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, Pampulha não é somente orla da lagoa, conjunto arquitetônico, Mineirão, clubes, zoológico e parque Guanabara. É quase uma cidade que ainda preserva ares de interior com cenas bucólicas, pracinhas com igrejas, vacas soltas no meio da rua, micos nas árvores, revoada de maritacas.

Também casas espaçosas, com jardins arborizados, próximas de casebres coladinhos uns aos outros, onde, apesar das adversidades, encontra-se a felicidade. Ruas, alamedas e vielas, em que transitam bicicletas como meio de transporte, o absurdo das carroças, junto a carros importados que pais, inconsequentes, dão de presente aos jovens filhos, o velho 3503, que durante anos me levou ao centro.

Sacolões, mercearias, vendinhas onde se vende fiado com anotações na caderneta. Boas academias, pilates, bons restaurantes, botecos, orla para caminhantes, cocos da Bahia, caldo de cana e vitaminas de abacate, aulas de tênis e de capoeira, clínicas médicas e centros com sessão de descarrego. Um local onde tudo se mistura com naturalidade, sem destoar da paisagem, mantendo um estilo próprio, a Pampulha é única.

Afinal, em que lugar da cidade podemos olhar pela janela e ver um tucano, surgido sabe-se lá de onde, pousar na beira da piscina para tomar água? Além de bem-te-vis, colibris e até mesmo uma garça perdida? Em que lugar de Belo Horizonte podemos ver micos desaforados invadindo as cozinhas para roubar frutas? Em que os gambás, na calada da noite, resolvem se divertir ou se digladiar no forro dos telhados? Em que lugar você se levanta cedinho para uma caminhada e, sem querer, “atropela” uma capivara?

Onde é que o seu cachorro, passeando na orla ao seu lado, sem coleira, resolve se engraçar com uma espécie de pato chamado Paturi? Que, ao vê-lo desaparecer água adentro, entra junto? E, perigando se afogar em meio ao lodaçal, finalmente desiste do bicho e volta verde de lá? E para se secar, sacode o lodo infecto em cima dos caminhantes? Ou aquele que teve pior destino, feito o cachorrinho de um amigo, que, em vez de cismar com patos, foi invocar com um jacaré?

Em que lugar da capital a natureza se faz tão presente?

Penso que a Pampulha deveria ser chamada de “começo”, em vez de “fim do mundo”, afinal, ali, mesmo com o crescimento rápido e desordenado, ainda se respira oxigênio puro, e o verde, apesar das construções verticais, tenta se manter.

Penso que meus pais, ao decidirem se mudar para a Pampulha quando nem a avenida Catalão, nem o Mineirão existiam, não foram loucos, como a família gostava de dizer, mas visionários. Assim feito eu, que, antes de me casar, influenciei meu marido a ir para lá, onde vivemos com nossas filhas, nossos cachorros e bichos em total liberdade.

E o melhor de tudo é saber que o sol do entardecer, refletido nas águas da lagoa, é o mais belo dos horizontes da nossa Belo Horizonte.