LEONARDO BOFF

A boa vontade que falta no Brasil de hoje para o país dar certo

A má vontade impede qualquer convergência para uma saída

Por Da Redação
Publicado em 26 de maio de 2017 | 03:00
 
 
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Na sociedade brasileira grassa uma onda de ódio e dilaceração que raramente tivemos em nossa história. Chegamos a um ponto em que a má vontade generalizada impede qualquer convergência em função de uma saída da avassaladora crise que afeta toda a sociedade.

Immanuel Kant (1724-1804), o mais rigoroso pensador da ética no Ocidente moderno, fez uma afirmação em sua “Fundamentação para uma Metafísica dos Costumes” (1785): “Não é possível se pensar algo que, em qualquer lugar no mundo, e mesmo fora dele, possa ser tido irrestritamente como bom senão a boa vontade (der gute Wille)”. Kant reconhece que qualquer projeto ético possui defeitos. Entretanto, todos os projetos possuem algo comum que é sem defeito: a boa vontade, que é o único bem que é somente bom e ao qual não cabe nenhuma restrição.

Há aqui uma verdade com graves consequências: se a boa vontade não for a atitude prévia a tudo que pensarmos e fizermos, será impossível criar uma base comum que a todos envolva. Em momento de crise como o nosso, é a boa vontade o fator principal de união de todos para uma resposta viável que supere a crise.

Essas reflexões valem tanto para o mundo globalizado quanto para o Brasil atual. Se não houver boa vontade da grande maioria da humanidade, não vamos encontrar uma saída para a desesperadora crise social que dilacera as sociedades periféricas, nem uma solução para o alarme ecológico que põe em risco o sistema Terra.

No Brasil, se não contarmos com a boa vontade da classe política, em grande parte corrompida e corruptora, nem com a boa vontade dos órgãos jurídicos, não superaremos a corrupção que se encontra na estrutura mesma de nossa fraca democracia. Se essa boa vontade não estiver também nos movimentos sociais e na grande maioria dos cidadãos que com razão resistem às mudanças antipopulares, não haverá nada, nem governo, nem alguma liderança carismática que seja capaz de apontar para alternativas esperançadoras.

A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade. Vivemos em permanente estado de guerra civil mundial. Não há ninguém, nem as duas santidades, o papa Francisco e o dalai-lama, nem as elites intelectuais mundiais, nem a tecnociência, que forneça uma chave de encaminhamento global.

O Brasil reproduz, em miniatura, a dramaticidade mundial. A chaga social produzida em 500 anos de descaso com a coisa do povo significa uma sangria desatada. Nossas elites nunca pensaram uma solução para o Brasil como um todo, mas somente para si. Está aqui a razão do golpe parlamentar que foi sustentado pelas elites opulentas que querem continuar com seu nível absurdo de acumulação, especialmente o sistema financeiro e os bancos, cujos lucros são inacreditáveis.

Por isso, os que tiraram a presidente Dilma Rousseff do poder, por tramoias político-jurídicas, ousam modificar a Constituição em questões fundamentais para a grande maioria do povo, como a legislação trabalhista e a Previdência Social, visando, em último termo, desmontar os benefícios sociais de milhões.

Se a boa vontade é assim tão decisiva, então urge suscitá-la em todos. Em momento de risco, todos, até os corruptores, se sentem obrigados a ajudar com o que lhes resta de boa vontade. Já não contam as diferenças partidárias, mas o destino comum da nação, que não pode cair na categoria de um país falido. Em todos vigora um capital inestimável de boa vontade que pertence a nossa natureza de seres sociais. Se cada um, de fato, quisesse que o Brasil desse certo, com a boa vontade de todos, ele seguramente daria certo.