LEONARDO BOFF

A cidadania e o projeto de deixar de ser massa e passar a ser povo

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 15 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
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Entendemos por cidadania o processo histórico-social que capacita a massa humana a forjar condições de consciência, de organização e de elaboração de um projeto no sentido de deixar de ser massa e de passar a ser povo. O grande desafio histórico é certamente este: como fazer das massas anônimas, deserdadas e manipuláveis, um povo brasileiro de cidadãos conscientes e organizados. E como situar-se hoje diante do projeto dos golpistas de 2016?

Vejo seis dimensões de uma cidadania plena.

A dimensão econômico-produtiva: a pobreza material e política é produzida e cultivada pelas oligarquias, pois assim podem explorar melhor as massas. Isso é profundamente injusto. O pobre que não tiver consciência das causas de sua pobreza pela exploração não terá condições de realizar sua emancipação.

A dimensão político-participativa: se as pessoas não lutarem por sua autonomia e participação social, nunca serão cidadãos plenos.

A dimensão popular: o tipo de cidadania vigente é de corte liberal-burguês, por isso inclui os que têm uma inserção no sistema produtivo e marginaliza os demais. É uma cidadania reduzida. Não se reconhece ainda o caráter incondicional dos direitos. A construção da cidadania deve começar lá embaixo e estar aberta a todos. Ela já é exercida nos inúmeros movimentos sociais e associações comunitárias nas quais os excluídos constroem um novo tipo de cidadania.

A dimensão de concidadania: a cidadania não define apenas a posição do cidadão face ao Estado, como sujeito de direitos. A concidadania define o cidadão face a outro cidadão pela solidariedade e pela cooperação, como foi mostrado na Campanha contra a Fome, a Miséria e em favor da Vida, herança imorredoura de Betinho.

A cidadania ecológica: cada cidadão tem o direito de gozar de qualidade de vida. Isso só será possível se houver uma relação de cuidado e de respeito com a natureza. E se mostra pelo cuidado com o ar, as águas, os solos. Cada cidadão deve se conscientizar para garantir um futuro à Casa Comum e deixá-la habitável para as gerações futuras.

A cidadania terrenal: a concidadania se abre hoje à dimensão planetária, incorporando cuidados com a única Casa Comum e com bens e serviços limitados. Importa viver os vários erres do pensamento ecológico: reduzir, reusar, reciclar, rearborizar, rejeitar a propaganda enganosa, respeitar todos os seres etc.

Após o golpe jurídico-parlamentar de 2016, a cidadania é desafiada a confrontar-se com dois projetos antagônicos, disputando a hegemonia. O primeiro é o projeto dos endinheirados, articulados com as corporações transnacionais, que querem um Brasil menor, de no máximo 120 milhões de pessoas, pois assim acreditam que daria para administrá-lo sem preocupações.

O outro projeto quer construir um Brasil para todos, pujante, autônomo e soberano face às pressões das potências militaristas, que visam estabelecer um império e viver da rapinagem das riquezas de outros países. Estes se associam com as elites nacionais, que estão por trás do golpe de 2016.

A correlação de forças é muito desigual e corre em favor das oligarquias. Mas estas não têm nada a oferecer para os milhões de brasileiros, especialmente para os pobres, senão mais empobrecimento. Essas elites não são portadoras de esperança e, por isso, estão condenadas a viver sob o medo permanente de que, um dia, a situação possa se reverter e acabar com sua opulência e privilégio. Esse dia chegará.

O futuro pertence especialmente aos humilhados e ofendidos de nossa história, que herdarão as bondades que a Mãe Terra Brasil reservou a todos. Valeram a pena sua resistência, a indignação e a coragem de mudar em direção a um Brasil do qual possamos nos orgulhar.