LEONARDO BOFF

Betinho foi um homem de grandes sonhos e realizações

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 01 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
Duke

Em agosto ocorreram várias homenagens nos 20 anos da morte do sociólogo e ativista social Herbert de Souza, conhecido como Betinho. Há mortos que recordamos com saudade, mas há também mortos que celebramos com júbilo. Estes não estão ausentes, são apenas invisíveis. É o caso de Betinho. Em suas próprias palavras, sua vida foi uma sucessão infinita de sortes: hemofílico, sobreviveu à tuberculose e, por fim, confrontou-se corajosamente com a Aids. Militou na esquerda católica contra a ditadura militar, viveu no exílio no Chile, no Canadá e no México. Regressou em 1979, recebido por uma multidão, reconhecido como o irmão de Henfil, genial cartunista. Aldir Blanc e João Bosco imortalizaram Betinho com a canção sempre cantada “O Bêbado e a Equilibrista” sobre “a volta do irmão do Henfil”.

Betinho foi um homem de grandes sonhos e de não menores realizações: a fundação da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida; o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (Coep); em colaboração com o engenheiro de Furnas André Spitz, com o Coppe e o Coep ajudou a formar o Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome, Comitês da Cidadania pelo Brasil afora, o Natal sem Fome e a Abia, para o estudo da Aids, entre outras. Entre 1993 e 2005 a Ação da Cidadania distribuiu 30.351 toneladas de alimentos, beneficiando cerca de 3 milhões de famílias.

Sua prioridade absoluta, verdadeira obsessão humanitária, era o combate à fome. Costumava responder aos que o acusavam de certo assistencialismo que “a fome tem pressa”, não permite esperar a grande revolução. Com razão dizia Gandhi que a fome é “a forma de violência mais assassina que existe”. Isso Betinho queria evitar a todo custo. Dar de comer nunca pode ser um gesto apenas assistencialista, mas de um humanismo em grau zero. Juntos repetíamos com frequência: “O pão que tenho em minhas mãos é material; mas o pão que entrego ao faminto é espiritual, pois vai carregado de amor, de compaixão e de humanidade e salva a vida”.

Ao regressar ao país, optou pela sociedade civil, e não pelos partidos e pela participação no Estado. Na sociedade civil via a presença de potencial de solidariedade e de criatividade que poderia ser mobilizado em favor das grandes causas nacionais: cobrar ética na política, reconstruir a democracia pela base, participativa e popular, promover a urgência da reforma agrária em terras do campo e da cidade, combater a fome, incentivar a educação na linha de Paulo Freire.

Betinho era um indignado com a antirrealidade brasileira dos milhões de marginalizados, castigados pela fome e pelas doenças. Mas não era um resignado. Logo lançava projetos para pô-los em prática, sempre com um sentido de trabalho coletivo e solidário.

Se vivesse hoje com a desordem social provocada pelo infame golpe parlamentar, jurídico e midiático, atrás do qual se escondem as classes oligárquicas, que Darcy Ribeiro considerava as mais insensíveis e reacionárias do mundo, o que vem sendo repetido por Jessé Souza, Betinho estaria seguramente na rua mobilizando o povo, os movimentos, os que ainda acreditam no Brasil, para defender nossa frágil democracia e salvar os direitos sonegados aos trabalhadores e aos futuros aposentados, defender as terras indígenas e impedir a venda de terras nacionais a estrangeiros.

Os escândalos da corrupção milionária atingindo a maioria dos partidos e as grandes empresas o levaria seguramente a retomar com vigor o tema sobre o qual tanto se debatia: a ética na política e a transparência em todas as coisas. Que falta nos faz Betinho.