Leonardo Boff

Corrupção de alguns destruiu os sonhos de uma multidão

PT diante da opção de se renovar agora ou de se tornar medíocre

Publicado em: Sex, 21/08/15 - 03h00

Reza um mito antigo da área mediterrânea que, de tempos em tempos, a águia, observando em seu corpo sinais de envelhecimento, se propunha a renovar-se totalmente. Assim fazia também a fênix egípcia, que aceitava morrer para voltar rejuvenescida para nova vida. Qual era a estratégia da águia? Punha-se a voar cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então, as penas se incendiavam, e ela começava a arder. Quando chegava a esse ponto, ela se precipitava do céu e se lançava qual flecha nas águas frias do lago. O fogo nela se apagava.

E então ocorria a grande transformação. Por meio dessa experiência de fogo e de água, a velha águia voltava a ter penas novas, garras afiadas, olhos penetrantes e o vigor da juventude.

Queremos aplicar esse mito ao PT, metido numa crise crucial que o obriga a renovar-se como a águia ou a aceitar o lento envelhecimento, até perder todo o vigor e a capacidade de renovação da sociedade, como era seu sonho primordial.

Para entender melhor esse relato e aplicá-lo ao PT, precisamos revisitar o filósofo Gaston Bachelard e o psicanalista C. G. Jung, que entendiam muito de mitos. Segundo eles, fogo e água são opostos. Mas, quando unidos, se fazem poderosos símbolos de transformação.

O fogo simboliza a consciência, o vigor e a determinação de abrir caminhos novos. A água, ao contrário, representa o inconsciente e as dimensões do cuidado e a capacidade de entender o sentido secreto das crises.

Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar em si os opostos: a determinação com a descoberta do sentido secreto das crises. Elas acontecem para purificar, limpar de todo tipo de agregado e deixar aparecer o essencial. Ninguém, ao passar pelo fogo ou pela água, permanece intocado. Ou sucumbe, ou se transfigura.

A água nos faz pensar também nas grandes enchentes, como conhecemos em 2011 nas cidades serranas do Estado do Rio. Com sua força, tudo carregaram, especialmente o que não tinha consistência e solidez. Numa única noite morreram 903 pessoas e 32 mil ficaram desabrigadas. Foi um cataclismo de ressonância mundial.

São notórias as crises existenciais. Ao fazermos essa travessia pela “noite escura e medonha”, como dizem os mestres espirituais, deixamos aflorar nosso eu profundo sem as ilusões do ego superficial. Então, amadurecemos para aquilo que é em nós autenticamente humano e verdadeiro. Quem recebe o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia.

Mas existem também as crises maiores, de todo um projeto e de um partido como o PT. Ele tem que assumir a verdade: teve muitos acertos que beneficiaram milhões que viviam na pobreza e na marginalidade. Mas também cometeu erros evitáveis: deixou-se tomar pelo “demônio” do poder como fim em si mesmo, quando deve ser sempre meio. Houve vergonhosa corrupção de alguns importantes, que destruíram o sonho de toda uma multidão que acreditava e se esforçava para viver o novo factível.

Indo ao conteúdo real: o que significa para o PT rejuvenescer-se como a águia? Significa entregar à morte tudo o que de errado praticou e que impede o sonho. O velho no PT são os hábitos e as atitudes da velha política, que servia de instrumento para crescer e perpetuar-se no poder. Com isso, perdeu o sentido originário do poder como meio de transformação em benefício das grandes maiorias, e jamais como fim em si mesmo.

Isso deve ser entregue à morte para o PT inaugurar uma forma de relação com os verdadeiros portadores do poder, que são o povo e os movimentos sociais.

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