Leonardo Girundi

Mais uma decisão polêmica

Publicado em: Sex, 29/06/18 - 03h00

Que a legislação brasileira é extensa todos já sabem. Que ela é complexa também não existe dúvida. Mas vivemos momentos em que a maioria dos brasileiros não entende, claramente, algumas decisões do Judiciário. Podemos destacar destas as de grande repercussão. Como advogado, já comentei várias dessas em inúmeras entrevistas. Nesta semana mesmo recebi várias perguntas por email, Instagram (@leonardogirundi) e outros canais, e também concedi uma entrevista para uma rádio de São Paulo, sobre a decisão de soltura do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. Diante disso, vou tentar esclarecer os fatos a todos. 

Primeiro, é importante salientar que nossa Constituição, de 1988, determinava que qualquer pessoa, diante do princípio da inocência (todos são inocentes até que se prove o contrário) só poderia ser levada à prisão após esgotados todos os recursos em todas as fases. Mas muitos processos prescreviam, ou seja, o réu era condenado, mas o Estado não podia executar a pena, muitas vezes devido à morosidade do judiciário – gerando na população uma sensação de impunidade.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em plenário, que, com o julgamento do processo em segunda instância, pelo colegiado, e encerrando todos os recursos nessa fase, o réu já não seria mais detentor do princípio da inocência, pois, de três fases, duas já teriam encerrado – mesmo sabendo que a decisão em terceira instância poderia ser de inocência em um ou mais crimes ou de qualquer tipo de alteração na pena. Concordando ou não com essa tese, ela foi aprovada pela maioria dos ministros do STF e é o que vale. Quando uma decisão é tomada em sessão plenária, ela tem repercussão geral e deve ser seguida nos demais julgamentos. Por isso, vários condenados foram conduzidos à prisão, dentre eles Lula e José Dirceu, que foram condenados em primeira e em segunda instância. 

Mas, apesar dessas determinações, a decisão do dia 26 de junho, no caso de José Dirceu, nos soou desafinada. Para piorar, Dias Toffoli, que foi contrário à decisão de prisão após encerrados os recursos em segunda instância, agora como relator nesse caso da segunda turma (tendo em suas mãos um pedido muito parecido com outros, dentre eles o de Lula, que foi votado pela maioria do plenário do STF, determinando a prisão após segunda instância), resolveu, de ofício – isso mesmo de ofício (que significa conceder algo que não foi pedido) – conceder liberdade a José Dirceu, alegando que a medida da pena parece que pode ser alterada. 

Não podemos nos esquecer de que a pena hoje é de 30 anos e nove meses. Então, se houvesse redução de um terço, que seria demais, ela abaixaria para 20 anos. Então, por que uma pessoa que já estava na cadeia, cumprindo a condenação a que foi julgada em duas instâncias, por quatro juízes diferentes, seguindo a determinação do próprio STF para cumprir pena após encerrada a segunda instância, poderia ser libertado? Diante de todo esse cenário, não existe, legalmente, nenhuma justificativa.

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