Lucas Gonzalez

Presidentes passam, legados ficam

Implicações da escolha de um novo ministro do Supremo

Por Da Redação
Publicado em 19 de outubro de 2020 | 03:00
 
 

Nas últimas semanas, o Brasil inteiro se debruçou sobre a história de um jurista que até então era desconhecido pela maioria – Kassio Nunes –, o primeiro nome indicado pelo atual presidente da República ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Por diversas razões, a indicação causou grande estranheza. Entre elas, a discrepância entre os posicionamentos defendidos pelo desembargador e as bandeiras levantadas por Jair Bolsonaro ao longo de toda a sua trajetória política.

A notícia de que o desembargador não advogava pela prisão após condenação em segunda instância, de forma absoluta, espanta. Essa prisão é um importante sinal de alerta aos corruptos de plantão no Brasil. A sociedade está farta de líderes que se elegem para se esbaldarem com os manjares custeados pelo povo.

Por isso, a sociedade já não suporta agentes públicos que sempre terceirizam a responsabilidade. Ora a bola é do Judiciário, ora a bola é do Legislativo. No fim, o problema permanece, e o povo, como de costume, novamente desacredita suas lideranças.

O STF já mudou o posicionamento sobre esse tipo de prisão em diversas ocasiões distintas. Portanto, este é o momento de oxigenar a Corte com ministros dispostos a enfrentar os mais poderosos. Afinal, são exatamente esses que se beneficiam de uma regra antiquada e totalmente desvirtuada dos seus desígnios iniciais.

Escolher um ministro que guarde inegociável compromisso com bandeiras levantadas pelo chefe do Executivo em hipótese alguma compromete os valores republicanos ou negligencia os critérios constitucionais. Ao contrário, se for complemento do que já estabelece a Carta Magna, ele apenas reforça os anseios da população, que foram numericamente contabilizados nas urnas.

O presidente Jair Bolsonaro ganhou notório destaque por ser um grande opositor de um governo que escancaradamente colecionava uma infinidade de escândalos de corrupção. O brasileiro, não obstante a sua curta memória eleitoral, não aguenta mais o dissabor de perceber que seu dinheiro, quando não é ilegalmente desviado, é utilizado para manutenção de privilégios dignos da era do absolutismo. São legais, mas vergonhosamente imorais. Como é o caso da licitação, realizada pelo STF, para aquisição de vinhos premiados e iguarias que muitos brasileiros jamais vão experimentar um dia. Esse absurdo que contou com a decisão favorável do desembargador Kassio Nunes.

Por essas razões, é importante que o presidente tome sua decisão consciente de que muito mais importante do que agradar ao segmento A ou B é cumprir o que foi pactuado durante as eleições – tolerância zero com a impunidade, tolerância zero com as mordomias. Os quatro anos passarão, e novos presidentes virão. Mas esse legado de Jair Bolsonaro no STF perdurará por 26 anos. Novos governos podem mudar políticas públicas, substituir ministros de Estado, criar novas leis e reconstruir o Brasil de acordo com suas convicções políticas e ideológicas. Bolsonaro não terá controle sobre isso.

Entretanto, novos governos não poderão substituir os membros do STF. A tão questionável vitaliciedade do cargo não permite. Por isso essa escolha não comporta equívocos. Ela é uma das mais importantes para preservação do Estado democrático de direito.

O Senado terá, neste mês, a oportunidade de fazer valer os anseios da população brasileira, na chamada “sabatina”. O dever de avaliar o indicado ao Supremo Tribunal Federal sob a ótica do povo brasileiro, no lugar da ótica de quem futuramente poderá julgá-los, é primordial para manutenção de uma República eficiente. O ministro do STF não é eleito pelo povo, mas quem o escolhe, sim.

Uma decisão errada pode colocar em evidência o tão repudiado toma lá dá cá. A escolha que valoriza interesses pessoais e relega o desejo genuíno de viver em uma nação livre e justa não condiz com quem afirma colocar o Brasil acima de tudo.