Luiz Cabral Inacio

LUIZ CABRAL escreve na revista SuperTV às quintas-feiras. luizcabral@supernoticia.com.br

Ah, se todas as bruxas fossem assim...

Publicado em: Qui, 19/06/14 - 03h00

Está na moda revisitar grandes obras e clássicos do passado. Por mais que se abram brechas para as críticas fundadas ou dissimuladas, refazer um conto de fadas sob uma nova óptica é algo novo, cool e, por que não, instigante no mundo do cinema. Depois de Tim Burton, em “Alice no País das Maravilhas”, e Sam Raimi, em “Oz: Mágico e Poderoso”, agora é a vez do diretor Robert Stromberg dar ritmo, unidade e nova roupagem à trama de “A Bela Adormecida”. Só que o foco agora é outro: a princesa será adormecida de qualquer jeito, mas é a bruxa o centro das atenções. Surge então “Malévola”, a maldosa e humanizada vilã de Angelina Jolie, filme da Disney que está em cartaz nos cinemas.


Tudo começa quando Malévola ainda era criança, já soberana em sua floresta encantada, lotada de seres mágicos e deslumbrantes. Nessa época, ela era boa, sem nenhum resquício de vilania. Como toda criança, nasceu pura e alegre, mas se viu decepcionada e amargurada após uma decepção amorosa no início da idade adulta. O poder e a ambição de um homem foram maiores que o amor que se iniciou na infância. Aquilo bastou para que toda a mágoa e a maldade existentes em Malévola se materializassem, e a vingança se transformasse em uma refeição para se comer fria e lentamente. Dentro do esquema matemático que propõe que para toda ação existe uma reação, Malévola enfeitiça a pobre Aurora (Elle Fanning), filha de seu ex-amado Rei Stefan (Sharlto Copley), e, como nos livros infantis, a jovem só poderia acordar da maldição por meio de um beijo de amor verdadeiro. Nessa nova perspectiva, a bruxa, que era boa e ficou má, é carregada de sentimentos e fica muito mais interessante e encantadora – um papel ideal para Jolie, que transita muito bem entre a ironia, a vilania e o estranho carinho inegável pela princesa injustiçada.


Será que, no mundo real, isso também acontece? Será que os amargurados, os tais vilões que cansamos de encontrar ao nosso redor, são assim porque viveram algo no passado que mudou o destino deles e os tornaram pessoas piores? Faz todo o sentido! Não estou tentando, aqui, justificar as atitudes de criminosos, corruptos, assassinos ou ladrões. Estou buscando uma explicação, por meio da ficção, para esses desvios de conduta, para essas formas errôneas de se viver, para o mau-caratismo que insiste em aparecer.


Em certo momento do filme, Angelina Jolie contracena com uma criança, que seria a Aurora pequenina – diga-se de passagem, uma belíssima cena. Com o figurino e a produção apavorantes, com direito a chifres gigantescos e maquiagem diabólica, a atriz atuou, pela primeira vez, com uma de suas filhas, Vivienne Jolie-Pitt. Isso aconteceu porque havia crianças que iam para o set e, quando a sombria Malévola se aproximava para cumprimentá-las, elas choravam. Então, eles deram conta de que não havia nenhuma menina de 4 ou 5 anos com quem ela pudesse ser má e que não a veria como um monstro a não ser a própria filha. Quem dera se o mundo fosse feito da pureza das crianças... Quem dera se os vilões da vida real viessem caracterizados. Assim, seria mais fácil reconhecer que, após o lado mau do anoitecer, poderia sempre surgir a inocência do amanhecer.

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