Luiz Tito

Luiz Tito escreve de segunda a sábado em O TEMPO

Vale mais a Venezuela

Publicado em: Ter, 26/02/19 - 03h00

As autoridades brasileiras se mostram indignadas com os confrontos na fronteira do Brasil com a Venezuela, que teriam causado a morte de dez venezuelanos e deixado outros tantos feridos. Revolta-se com o fato de os caminhões de alimentos brasileiros, que partiram de Pacaraima, em Roraima, para o país vizinho, terem sido queimados. Justíssimo. Mas e quanto aos 310 brasileiros mortos em Brumadinho?

O rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, causado pela múltipla omissão e negligência de autoridades e empresas, da poderosa Vale especialmente, completou um mês na última sexta-feira. Até hoje, a Procuradoria do Trabalho nem sequer conseguiu bater o martelo, com a Vale, sobre as negociações básicas em relação às indenizações dos trabalhadores mortos. Reuniões, sempre agendadas para as sextas-feiras, naturalmente para que o fracasso dos diálogos seja esfriado nos fins de semana, são sucessivamente remarcadas. De concreto mesmo apenas a prisão de alguns funcionários de segundo e terceiro escalão da companhia e de prestadores de serviços. Nada além disso: bagrinhos presos enquanto tubarões seguem, arrogantemente, sentados nos seus escritórios ou dormindo em suas casas, apostando que a catástrofe será definitivamente esquecida com a folia de Momo, que se aproxima.

O rio Paraopeba está irremediavelmente morto, mas a preocupação é com os inflamados discursos de Nicolás Maduro e com a situação do povo da Venezuela. Não que esses coirmãos não merecessem toda a nossa atenção, respeito e o repúdio mundial em relação às arbitrariedades do regime bolivariano. Mas impressionam a cumplicidade e a omissão de governos e órgãos de fiscalização com os malfeitos que causaram a morte de mais de três centenas de brasileiros, arrasaram casas, muitas dessas produto de uma vida de trabalho e poupança.

Por incrível que pareça, em Minas Gerais forma-se uma conspiração para se proteger a mineradora causadora da tragédia. É sabido que essa mesma empresa já programava deixar o Estado, reduzindo até paralisar sua produção em solo mineiro. Será assim que a Vale conseguirá manter a mesma produção a um custo muito inferior em suas jazidas no Norte do país. Nada contra, não fosse ela ter se servido de uma situação quase monopolista na extração de minério em Minas, deixando-nos as crateras relegadas aos mineiros. A reboque dos fatos, a siderurgia no Estado começa a sentir os efeitos dessa operação tartaruga que ela, Vale, impõe na mineração, engendrada com o objetivo final de elevar o preço do minério. A continuar impune como se apresenta, a tragédia de Brumadinho (assim como a de Mariana, que até hoje nenhuma reparação acarretou para os atingidos), com o beneplácito dos governos e dos órgãos de fiscalização, terá sido um grande negócio para a mesma Vale que a causou.

Afinal, o importante, parece, é tentarmos proteger os venezuelanos e cairmos na folia a partir do próximo sábado. Os mortos, os desabrigados, os desempregados, os arruinados, que se danem.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.