Marcio Coimbra

Márcio Coimbra escreve todas as quartas-feira em O TEMPO

Reação do mecanismo

Publicado em: Qua, 20/10/21 - 04h00

Depois de seu ápice, na década de 90, a operação Mãos Limpas enxergou um poderoso movimento de restauração dos mecanismos de corrupção mediante a aprovação de leis para proteger a classe política e tornar as investigações da magistratura mais difíceis. A iniciativa partiu do Parlamento italiano. As frentes foram diversas e também ocorreram por meio de processos e denúncias contra magistrados e procuradores como forma de deslegitimar suas ações e reputações.

Décadas depois, assistimos ao mesmo movimento no Brasil. De instância investigadora, a Lava Jato tornou-se alvo de seus antigos investigados, que voltaram suas baterias contra a força-tarefa, agora encerrada e desmobilizada. Procuradores, delegados e magistrados viraram alvos em conselhos e instâncias superiores com o objetivo de declarar sua parcialidade e finalmente encerrar suas carreiras profissionais.

Existe uma clara correlação entre os rumos tomados por Itália e Brasil, especialmente porque em ambos os países as investigações acabaram por levar um populista ao poder. Uma vez no governo, o chamado “outsider” optou por realizar uma conciliação com a velha política e atacar os mecanismos de combate à corrupção. Tanto em Roma quanto em Brasília, o resultado foi o mesmo, ou seja, restauração das antigas estruturas e a perseguição aos órgãos de controle e seus investigadores.

É exatamente isso que estamos vendo aos poucos no Brasil. A sanção por Bolsonaro do juiz de garantias se tornou o primeiro grande golpe, seguido da desfiguração do pacote anticrime. A interferência na Polícia Federal foi mais um passo, aquele que levou Moro a se retirar do governo. Além disso, toda a polêmica relativa ao Coaf, retirada da alçada do Ministério da Justiça, e o desmonte da Lava Jato, assim como de outras operações anticorrupção. Os episódios se avolumaram, e cada vez ficou mais clara que a opção de Bolsonaro foi a mesma tomada por Berlusconi na Itália: restauração do status quo.

O passo mais recente, entretanto, está dentro do Ministério Público, com a chamada “PEC da Vingança”, que visa pura e simplesmente levar mais controle do mundo político para as instâncias de controle do órgão, colocando um freio em suas ações. Ato contínuo, o Conselho Nacional do Ministério Público começou a punição da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba, condenando um de seus membros com a punição máxima, afastando definitivamente o procurador do MP.

Vivemos uma clara inversão de valores no Brasil. Bolsonaro, um nome que surfou nos movimentos anticorrupção, preferiu rejeitar as tentativas de restauração da ética no país, aplicando um dos mais profundos estelionatos eleitorais já conhecidos. Tendo jamais encarnado os valores conservadores, traiu os liberais, o livre mercado e o movimento anticorrupção que o levou ao poder.

Optou pelo populismo, abraçando os mecanismos de reação do sistema, blindando suas estruturas e seus atores. Nada diferente de sua contraparte italiana, que fez o país perder talvez sua maior oportunidade de consertar a nação. Com Bolsonaro, perdemos uma chance preciosa de mudar os rumos do Brasil.

 

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.