Michele Borges da Costa

MICHELE BORGES escreve no Magazine às sextas-feiras. michele@otempo.com.br

Fui seduzida

Publicado em: Sex, 22/07/16 - 05h00

No final do século passado, quem morava em Belo Horizonte foi convocado a participar de um plebiscito informal para escolher o símbolo da cidade. Se você já passou dos 30, deve lembrar. A silhueta moderninha da Igrejinha São Francisco e as curvas generosas da lagoa da Pampulha eram concorrentes fortíssimas, mas quem levou o título foi a presença marcante da serra do Curral. Resultado que, gosto de acreditar, teve muito da minha contribuição.

Em uma época em que uma enquete desse tipo era feita com cédula de papel e urnas espalhadas pela cidade, fiz campanha e votei quantas vezes foi possível. Sem ter muita ideia do que acontecia no avesso da serra, carregava e acreditava no argumento de que a eleição seria uma maneira de garantir que o horizonte permaneceria intacto.

Mas meu empenho, na verdade, tinha motivação menos pragmática. Desde que a idade me permitiu reconhecer e diferenciar cenários, passei a achar um assombro viver em uma cidade naturalmente amuralhada. E me impressionava mais ainda que o até-onde-a-vista-alcança em Belo Horizonte fosse dar quase sempre naquelas montanhas.

A serra se apresentava assim que o ônibus que me levava para a escola chegava ao ponto mais alto da Cristiano Machado, era a companhia silenciosa para as caminhadas na José Cândido da Silveira, fazia vigília na varanda da casa do Sagrada Família onde dava aulas de balé. Ainda hoje, é ela que eu encontro quando chego à janela da redação deste jornal, em Contagem, ou do apartamento pra onde acabei de me mudar, na região Nordeste.

Então, em 1995, votei na serra do Curral sem que escorresse uma gota de dúvida. Se fosse hoje, não tenho tanta certeza se seria assim.

Continuo hipnotizada pela moldura da capital, é uma alegria ver o sol nascer dali detrás, é comovente testemunhar a lua acontecer a partir de seus contornos. Mas, há pouco mais de quatro anos, topei um joguinho de sedução com o conjunto da Pampulha, e agora, confesso, eu sinto um calor de amor por aqueles 18 km e suas beiradas.

Pedalar por ali quase toda semana me fez ver o cartão-postal de um jeito que só a intimidade permite, descobrir ângulos que não são visíveis no afoito primeiro encontro e ainda continuar a ser surpreendida em cada visita.

Também entendi que a lagoa e seu conjunto são democraticamente apropriados pelas pessoas, o que torna a paisagem mais interessante. Tem menino soltando pipa, família se fartando em piquenique, mulher fazendo oferenda pra Iemanjá, turma reunida em louvor, velhinho se exibindo maroto na bicicleta e, o mais bonito, casais conjugando toda forma de amor.

A Unesco não tinha alternativa. A Pampulha merece. 

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.