MICHELE BORGES DA COSTA

Já vai tarde

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 02 de setembro de 2016 | 04:01
 
 
Hélvio

Acabou. Esse exaustivo capítulo pode até continuar sangrando através de recursos, protestos, mandados de segurança, mas a ressaca é sintoma definitivo de que o impeachment (ou golpe, pode chamar do jeito que achar melhor) está consumado.

Nesse processo, que durou mais do que a saúde é capaz de suportar, deu para contabilizar muitos feridos, abatidos pela artilharia verbal que definhou amizades e destruiu relações familiares. Esse último ano nos empurrou todos para uma reciclagem social automática e mais poderosa que qualquer uma dessas circunstâncias-clichê que fazem as pessoas ficarem pelo caminho. O que é uma mudança de endereço, um divórcio, um pedido de demissão perto do ringue político e ideológico que se instalou em cada canto?! Como manter firme o mantra de “amar o próximo como a si mesmo” se o próximo se revelou tão insuportável?!

A discórdia se sentou à mesa, espaçosa e faminta, acrescentando tensão até na receita da sobremesa e tornando mais complexas as possibilidades de convivência. Conheço quem escolheu deixar o incômodo atravessado na garganta, mas ainda assim fez uma lista imaginária de gente que não quer ver nem banhado de chocolate.

Mas e agora? Será que dá pra voltar pra casa, sãos e salvos e mais maduros? Será possível resgatar os almoços de domingo sem tanta eletricidade? Será que os encontros com as amigas de infância tatuadas com um laço de afeto voltarão a fazer sentido? Será que, no final das contas, o que sobrou de bom disso tudo não foi poder dizer: “Já vai tarde”?

Pessoalmente, a ruptura dos últimos tempos foi sofrida, mas reveladora. Descobri que tinha por perto apoiadores das coisas que mais abomino disfarçadas em posições partidárias. A cordialidade superficial do cotidiano é que escondia direitinho o abismo que nos separava.

Hoje, quando olho para o lado, vejo as melhores pessoas, e nem todas com a mesma escolha política que eu. Não quero viver em uma bolha com minha patota, rodeada por quem faz um coro bonito e afinado comigo. Mas não preciso aturar reacionários de um lado ou de outro, preconceituosos de todo tipo, arrogantes ensimesmados, incapazes de um exercício de empatia.

A presidente foi descartada, o PMDB está de volta ao comando do país sem precisar se eleger, as panelas não batem mais, e eu sinto um alívio danado por ter perdido alguns amigos.