MICHELE BORGES DA COSTA

Na fila pra ser feliz

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 22 de janeiro de 2016 | 03:00
 
 
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Estava definitivamente decidida que seria feliz. Feliz mesmo, sem ressalvas, sem suspiros, sem parênteses. Uma escolha que não tinha nada de sôfrega, pelo contrário. Vinha se preparando para essa aventura com muita disciplina e método desde quando o amigo de infância lhe jogou no colo o diagnóstico incômodo: “Você é viciada no queixume”. Foi a provocação que precisava para começar a consumir todo tipo de informação que encontrava a respeito, de listas de blogs cheios de boas intenções a teses cabeçudas de especialistas em psicologia positiva, de conselhos do dalai-lama a bulas de antidepressivos. Fez de “Os 100 Segredos das Pessoas Felizes” seu livro de cabeceira e só encarou mesmo a empreitada depois de ter certeza de que sabia cada passo de cor (por via das dúvidas, colou um cartaz atrás da porta para que nenhuma daquelas regrinhas escapasse).

O azul que coloriu a primeira manhã da jornada foi lido como um ótimo presságio. Aproveitou para colocar logo em prática um dos mandamentos fundamentais de quem está na fila pra ser feliz e tratou de transformar aquele começo de dia comum em um momento especial. Curtiu sair da cama, fazer o café, lavar a louça da noite anterior, colocar a comida pro gato, ler o jornal, escovar os dentes como se fosse a melhor coisa da sua vida. Colocou qualidade e intensidade em cada gesto e terminou o ritual satisfeita em ter conseguido “usufruir as coisas comuns”, o segredo nº 3 do seu manual de sobrevivência.

Animada com sua estreia, jogou-se com empenho atrás dos outros 99 conselhos: vestiu-se do jeito que quis, pediu ajuda quando precisou, abandonou o pudor e, assim, as bochechas vermelhas quando elogiaram sua inteligência, ensaiou uma alegria quando viu a declaração do ex para a nova namorada no Facebook, parou de se lamentar pela viagem que não fez no feriado de Corpus Christi, disse “não” mais de um vez na mesma tarde, perdoou suas fraquezas, agradeceu as grandes e as pequenas coisas, parou cinco minutos para meditar...

Sentiu que estava quase lá, só precisava de coragem para o grande salto. Chutou o balde, pediu demissão e já se imaginou na Seita das Pessoas que Largaram Tudo para Fazerem o que Realmente Gostam.

Em casa, começou a planejar como seria sua vida a partir de então, quando poderia se dedicar ao que realmente interessava. Não sem antes ligar para as amigas do colégio, fazer uma limpa no armário, desapegar-se do que não tinha mais sentido e dar uma corridinha pelo bairro. Viu que a grana do acerto não duraria mais que dois meses, muito menos a levaria para uma temporada de mochilão. Foi dormir preocupada com as dívidas e exausta com tanto esforço.

Texto originalmente publicado em 26.6.2015. A colunista está de férias.