Michele Borges da Costa

MICHELE BORGES escreve no Magazine às sextas-feiras. michele@otempo.com.br

Para os dias de coração partido

Publicado em: Sex, 27/12/13 - 02h00

Tem uma amiga de uma prima da minha vizinha que está sofrendo de amor. Na verdade, está sofrendo de pós-amor, já que por um bom e razoável tempo ele esteve lá - imperfeito, mas ao alcance - e, sem que ela tivesse autorizado, pôs-se em fuga.

Em um primeiro momento, foram rios de lágrimas. Era tanta água que conseguiu aumentar a umidade relativa do ar mesmo com a cidade padecendo com mais de 60 dias sem chuva. Os de perto fizeram o que foi possível para conter os alagamentos, até que, sem aviso, a prima da vizinha da minha amiga secou. O coração permanecia aflito, mas ela recorreu a outra estratégia para confortá-lo.

Agora, a vizinha da amiga da minha prima adotou a fórmula open-bar, em que o consumo é liberado e o envolvimento é nada. Mantém alguns critérios para não arruinar a dignidade, mas só sai para a rua na função. Na semana passada, ganhou a carteirinha de profissional da paquera. Jeito mais que legítimo de superar o luto.

Mas o esquema pegar-transar-largar não é o único disponível para os períodos de dor de cotovelo crônica. Cada indivíduo capaz de amar tem sua especialidade para deixar de fazê-lo. Eu, modéstia à parte, tenho uma técnica infalível, que usei pela primeira vez aos 18 anos e já foi testada por ao menos meia dúzia de ex-sofredores.

Funciona assim: se um outro cabeludo aparecer na sua rua e isto lhe trouxer saudades do estrupício, tem que lembrar dele como estrupício. Porque quando a gente ainda está na fase do acabou-se o que era doce, a tendência é que a memória se concentre no que era quente e bom. Não pode. Deu um suspiro, pense em quantas vezes você teve que voltar dirigindo porque o sujeito não conseguia pronunciar o próprio nome. Encontrou uma foto das férias na praia, mentalize as frieiras cultivadas com afinco. Passou mais um fim de semana sozinha, lembre os almoços de domingo na casa da sogra. Em pouco tempo, o que restará é uma dissertação destruidora de qualquer reputação.

Para quem não é tão racional, dou a maior força para o mergulho na lama. Já que é pra sofrer, sofre direito, sofre com tudo. Assim, os créditos da ressaca amorosa são gastos de uma vezada. E não pode ter pudor em exibir sua devastação. Leve a dor para o banco da praça, para o boteco mais próximo, para o boteco mais longe, para o mural do Facebook. E não se esqueça da trilha. O que não falta é repertório para os dias de excesso e farrapos. Por fim, cansado dessa baixaria de vida, só vai restar dar risada de si mesmo.

Se nada disso funcionar, existe sempre a possibilidade de fazer o amor derreter com o esforço físico. É depois de um rompimento traumático que se consegue os melhores resultados na academia. O negócio é canalizar o desaprumo. A raiva triplica a sua capacidade de fazer abdominais, os minutos intermináveis na esteira passam voando enquanto se elabora estratégias de vingança, quanto mais a moral estiver pra baixo, mais o bumbum vai se empenhar para se mostrar altivo. Se não curar a dor, pelo menos amplia as chances de se encontrar um novo romance.

No final das contas, a receita é não correr e nem passar a ter medo do trampolim. Quando topar com um outra vez, arranca a pedra do peito e pula.

Texto publicado originalmente em 2/9/2011

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