Murilo Rocha

MURILO ROCHA escreve no O Tempo às quintas-feiras. murilorocha@otempo.com.br

Fator Valério

Publicado em: Qui, 23/06/16 - 03h00

Marcos Valério Fernandes de Souza ressuscitou, e, desde então, a política mineira não é a mesma. A decisão do empresário de romper o silêncio de mais de uma década desencadeou uma onda de pânico em políticos com e sem mandato e ainda pressiona o Ministério Público Estadual a se mexer. Condenado a 37 anos de prisão por crimes relacionados ao escândalo conhecido como “mensalão petista” – ele cumpre pena desde 2013 na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem – e ainda à espera do julgamento em três ações por outro caso grandioso de corrupção, o mensalão tucano, ocorrido em Minas, Valério disse aos promotores ter farta documentação para implicar cerca de 20 políticos mineiros, dez deles teriam foro privilegiado.

O primeiro estrago causado pela movimentação de Valério atingiu em cheio o PSDB. Além de estar disposto a confirmar a gênese do esquema de desvio de propinas durante o governo tucano de Eduardo Azeredo (1995 a 1998), ele aprofundaria as denúncias envolvendo membros do primeiro escalão do partido. O empresário garante ter documentos para comprovar falsos empréstimos no Banco Rural realizados para favorecer campanhas e políticos do PSDB durante os anos 2000. E essa seria justamente a grande novidade trazida por Valério, pois, entre outras coisas, embasaria a delação feita pelo ex-senador Delcídio do Amaral. Envolvido até o pescoço em investigações da operação Lava Jato, responsável por apurar desvios da Petrobras, Delcídio disparou para todos os lados e, entre outras coisas, acusou o senador Aécio Neves (PSDB) de atuar para maquiar dados do Banco Rural durante a CPI dos Correios, quando o tucano era governador de Minas, e Delcídio, presidente da comissão.

A delação tardia de Valério, inclusive, só teria sido decidida após a defesa de Delcídio procurar os advogados do empresário para convencê-lo a falar. Com ambos em apuros, um poderia ajudar o outro, pois Valério seria um dos poucos – quiçá o único – dispostos (e com provas) a dar veracidade às acusações de Delcídio. 

Mas o repertório de Valério iria para além do Banco Rural e do governo de Minas e chegaria a membros da Assembleia Legislativa, de hoje e de ontem. Quem frequenta a Casa garante ser notória a mudança radical do clima entre deputados de diferentes matizes após o fator Valério. O comportamento de alguns parlamentares – em especial atuais e ex-integrantes do PSDB – varia entre arredio e acuado. Ninguém quer falar, por enquanto. O medo de ser citado em uma possível delação é grande.

Fora do mundo político institucional, o Ministério Público de Minas Gerais também parece incomodado com a pressão da opinião pública pela aceitação da delação de Valério. Na avaliação de alguns promotores, o empresário não teria muito mais a acrescentar e só estaria surfando na onda de delações da Lava Jato na tentativa de obter benefícios. Pode até ser verdade, mas será difícil explicar o porquê de não querer ouvir o homem considerado o principal operador de dois dos maiores escândalos recentes da história do país. É quase impossível crer na ausência de novas informações em um depoimento de Marcos Valério. Agora, se essas informações merecem ser transformadas em benefícios, e quais seriam esses benefícios, são outras questões. 

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.