MURILO ROCHA

Festa estranha

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 08 de dezembro de 2016 | 03:00
 
 

No canto direito de quem olha a imagem, no alto da foto, está o senador Aécio Neves (PSDB), sentado, com o corpo ligeiramente inclinado para frente e para o lado direito, com um sorriso no rosto. A seu lado, também sentado e com o corpo na mesma posição, porém tombado para o lado esquerdo, com o rosto ao encontro de seu interlocutor, quase tocando-o, está o juiz Sergio Moro, principal nome da operação Lava Jato. Ele também compartilha do mesmo sorriso do tucano. Ambos estão descontraídos, bem à vontade, parecem íntimos. Bebem água. No momento do registro, Moro está cochichando ao pé do ouvido do senador mineiro. Intui-se tratar de algo divertido, pois eles sorriem; pode-se, atendo-se aos detalhes das expressões, arriscar que se trata de um comentário mordaz.

Na mesma fileira do lado esquerdo da fotografia, apenas para registro, mas não sem importância, estão conversando, também de forma descontraída, o megaempresário Abílio Diniz e o jornalista José Marques, da revista “IstoÉ”, promotora do encontro. No primeiro plano, mas não tão à vontade como os colegas do fundão, estão o presidente da República, Michel Temer (PMDB), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o ministro da Fazenda do Planalto, Henrique Meirelles. Temer está no canto direito com semblante sério, o pescoço torcido para a esquerda, olhando para alguém ou alguma coisa que não aparece na foto. Alckmin, ao lado do presidente e assim como ele, olha para o mesmo lado, mas tem na cara certa apreensão, como a de quem quisesse, na verdade olhar para trás e escutar a conversa alheia – no caso, a de Moro com Aécio. Aparenta estar sentindo-se visivelmente excluído do animado bate-papo da fileira de trás. Meirelles, à esquerda e fechando o trio da frente, ao contrário dos demais está com a cabeça baixa, absorto em uma folha de papel acomodada em sua perna direita, cruzada sobre a esquerda. Talvez estivesse a decorar o discurso.

A foto original, na verdade, é mais horizontal e inclui ainda outros três personagens, entre eles o ministro das Relações Exteriores, o também tucano José Serra. Mas, em uma de suas versões, amplamente divulgada ontem nas redes sociais, o enquadramento reúne apenas os seis personagens citados acima. A imagem foi registrada na noite de terça-feira por Diego Padgurschi, da Folhapress, durante a premiação Brasileiros do Ano, da revista “IstoÉ”, em São Paulo. A publicação escolheu Michel Temer como o Brasileiro do Ano.

Temer tramou nos bastidores e depois à luz do dia com lideranças do Congresso e nomes do Judiciário a derrubada de Dilma Rousseff (PT) para tomar posse em seu lugar. Seu nome aparece em gravações sob investigação no âmbito da operação Lava Jato. Seis ministros de seu governo já caíram em menos de seis meses por suspeitas de corrupção, tráfico de influência ou por discordância da condução política do Planalto. Sob seu curto mandato, a instabilidade política do país agravou-se – vide relações do Judiciário com o Legislativo –, a crise econômica permanece, a corrupção grassa, e as medidas de autoria do Executivo são questionáveis em forma e conteúdo.

A última delas, também uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), prevê a reformulação da Previdência Social. Assim como a PEC dos Tetos dos Gastos Públicos, a medida atingirá em cheio a parcela mais pobre da população. Entre os pontos da proposta está a previsão de o trabalhador ter o direito de receber o teto estipulado pelo INSS após 49 anos de contribuição, mesmo já tendo atingido a idade mínima (esta passaria a ser de 65 anos).

Sobre Aécio e Moro, este último agraciado pela revista como Brasileiro do Ano na Justiça, eles provavelmente estavam apenas falando futilidades, conversas típicas de eventos sociais envolvendo políticos e autoridades. Aécio é citado desde o início em diversas delações ligadas às empreiteiras OAS e Odebrecht, investigadas pelo juiz na Lava Jato, além de ser acusado de ter atuado para maquiar documentos na CPI dos Correios. Ele nega as acusações e ainda não responde a nenhuma ação nem foi alvo de indiciamento pela força-tarefa capitaneada por Moro em Curitiba.