Observatório das Américas

A internacionalização udenista

As práticas do combate à corrupção nas Américas

Por Oswaldo Dehon
Publicado em 08 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 

Nos dias 3 e 4 de novembro foi debatido o fenômeno da corrupção nas Américas, pela ótica da segurança regional. Convidado pelo Colégio Interamericano de Defesa (CID), ligado à Organização dos Estados Americanos, discuti, com vários especialistas, as causas e desdobramentos da corrupção na América do Sul. 

Como síntese do trabalho coletivo, a ser publicado, podem ser encontradas questões como sua multidimensionalidade, as controvérsias quanto às referências quantitativas para sua medida e a efetividade das convenções internacionais e regionais anticorrupção. 

Comum à região a prática de um enfrentamento tipicamente moral e do uso político das ferramentas anticorrupção, com destaque para a movimentação sazonal dos atores, frente aos escândalos de ocasião. No Brasil, tais elementos podem ser encontrados na retórica e nas ações da União Democrática Nacional (UDN), partido da Quarta República (1946-1964), criado em oposição ao Estado Novo e ao getulismo.

O problema da corrupção estaria limitado ao populismo ou aos que acenavam com a retórica nacionalista ou desenvolvimentista. Afinal, “de nada valem as formas de governo se é má a qualidade dos homens que nos governam”. O moralismo udenista contemporizou com as tentativas de impedimento da posse de Juscelino e de Jango. Ao apoiar o movimento civil-militar de 1964, deixou clara sua preferência pelo salvacionismo autoritário, não pela solução das instituições políticas das democracias liberais.

A UDN teve seu fim em 1965. O udenismo se espraiou. Na América do Sul as práticas de combate à corrupção possuem limites, dada a baixa qualidade das democracias e a fragilidade das instituições de controle da atividade pública e regulação do setor privado. Segundo a Control Risks – Americas Quarterly, a região possui desempenho insatisfatório em combate à corrupção, especialmente em países como Bolívia, Equador e Paraguai. Brasil e Argentina possuem dados intermediários, com Uruguai, à frente. 

Uma das formas de limitar o moralismo na luta anticorrupção é a criação de padrões internacionais que constranjam atores domésticos. As referências globais não surgem na ONU, mas nos esforços plurilaterais do G-77 e pela criação do Foreign Corrupt Practices Act dos EUA, em 1977. A reação dos países desenvolvidos pela aliança construída entre o G-77 e a Opep, nos anos 1970, foi a criação do G-7, estabelecendo padrões de governança global, pós-descolonização. Nos EUA o processo surge com o controle dos abusos de corrupção das multinacionais sobre os negócios no exterior. Na ONU os líderes dos novos Estados reclamavam de preconceito e corrupção promovida pelos Estados desenvolvidos.

A resposta inicial teve lugar na Assembleia Geral, mas, pela necessidade de um lócus mais restrito, a agenda ganha espaço na Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), nos anos 90. Na OCDE o tema se inverte. De abuso de poder pelas corporações, a agenda anticorrupção se torna o combate aos agravos governamentais contra o setor privado. Agentes públicos e, em especial, políticos eleitos passam a ser tratados como os atores centrais de um processo que somente poderia ser contido por novos critérios de transparência, abertura e prestação de contas. 

A ONU se mexe e estabelece a Resolução 58/4, em 2005, que cria a Convenção Internacional de Combate à Corrupção. O documento adota um caráter multidimensional para os esforços anticorrupção. Não apenas propinas pagas a servidores, mas evasão fiscal. Não apenas o problema moral da política, mas negócios escusos e lavagem de dinheiro deveriam ser foco das investigações. Na ONU surge o Global Compact, uma plataforma de engajamento do setor privado ao combate à corrupção. 

O dia 9.12 é lembrado pela ONU como o Dia Internacional Anticorrupção e ocorre na semana anterior à nona Conferência dos Estados-parte da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, em Sharm el-Sheikh, no Egito. Lá veremos qual curso de ação será adotado – se o caminho udenista ou uma efetiva luta anticorrupção.